Que ninguém me perceba porque não
estou em casa hoje, digo. Desde ontem sumi e ainda não me achei, fadiga dessa
minha frivolidade, desta casa. Esse perfume pelos quartos, esse cheiro de café
de ontem. Que a tua relação com as mulheres seja breve, era o conselho, mas que
essa ai do seu lado não passe, que demore. Senta aqui e escuta tudo isso, que
confidente de ti seja sua mente perturbada, e que a tua palavra seja poupada,
fecha a boca e segue vivendo. Gostaria de ter outra percepção sobre o
apresentado, mas não. É isso mesmo. Muitas vezes já pensei que nasci maduro e
triste, perfeito das qualidades mentais, mas muito rude com os pensamentos,
muito juiz dos outros. Perfeito para ser recluso, porque as coisas em mim sabem
do seu destino e tudo é adulto, tudo surge na cabeça pronto para ser colhido, e
têm tanta cobrança. E surge essa vontade de sempre demolir a casa e construir
de novo, como se tudo fosse possível e fácil, como se as oportunidades
esmurrassem a porta, e não? E vai ter medo de que? Vai jurar que não quis o cão
que sempre recusou, e que ele não lambe sua boca quando quer. Vai fazer parte
de um tempo que não é o seu, e podes te tornar idiota ou sábio, mas não
sucumbirá aos idiotas, a não ser pelo fato de um dia se tornar um deles e
perder os padrões. A cada manhã vou me imaginar ao sol, plantando flor e
cantarolando uma canção feliz, passeando com o cachorro também, ao invés de dormir a vida toda buscando cura da
ressaca e das páginas viradas desses autores penumbra. Dostoiévski com gelo. Mas
não gritas ajuda porque nada se faz verdade, é tudo mentira autodestrutiva e
impiedosa, porque te faz feliz a duplicidade do não-momento, a invenção. Não
existe whisky e ressaca, mas o cachorro do Dostoiévski existe. A vida dupla do
ser.
LG
Um comentário:
Em alguns momentos do texto, parecia que vc estava em um tour pela minha mente. Incrivel como consegue me despertar familiaridade com seus textos.
Sinto uma vibração de dúvida e um profundo pesar, como se algo estivesse prestes a perturbar a garrafa de Whisky.
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