"Vem por aqui" — dizem-me
alguns com os olhos doces. Estendendo-me os braços, e seguros de que seria bom
que eu os ouvisse. Quando me dizem: "vem por aqui!" eu olho-os com
olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, e
nunca vou por ali... A minha glória é esta: não acompanhar ninguém. Não, não
vou por aí! Só vou por onde me levam meus próprios passos... Se ao que busco
saber nenhum de vós responde por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro
escorregar nos becos lamacentos, redemoinhar aos ventos, como farrapos,
arrastar os pés sangrentos, a ir por aí... Se vim ao mundo, foi só para
desflorar florestas virgens, e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós que me dareis impulsos,
ferramentas e coragem para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas
veias, sangue velho dos avós, e vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a
Miragem, amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, tendes
jardins, tendes canteiros, tendes pátria, tendes tetos, e tendes regras, e
tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura! Levanto-a, como um
facho, a arder na noite escura, e sinto espuma, e sangue, e cânticos nos
lábios... Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se
soltou, é uma onda que se levantou, é um átomo a mais que se animou... Não sei
por onde vou, só sei que não vou por aí!
Cântico Negro - José Régio na voz de
Maria Bethânia.
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