quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

.Clandestino.

A mulher tonteou surpreendida, lentamente meneava a cabeça. O búfalo calmo. Lentamente a mulher meneava a cabeça, espantada com o ódio com que o búfalo, tranqüilo de ódio, a olhava. Quase inocentada, meneando uma cabeça incrédula, a boca entreaberta. Inocente, curiosa, entrando cada vez mais fundo dentro daqueles olhos que sem pressa a fitavam, ingênua, num suspiro de sono, sem querer nem poder fugir, presa ao mútuo assassinato. Presa como se sua mão se tivesse grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa, enquanto escorregava enfeitiçada ao longo das grades. Em tão lenta vertigem que antes do corpo baquear macio a mulher viu o céu inteiro e um búfalo.

Lispector

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

.Corcovado.


E eu que era triste
Descrente deste mundo
Ao encontrar você eu conheci
O que é felicidade meu amor

Tom Jobim


Doce.


Dizes na carao que te vem a cabeça com coragem e ânimo.Hesito entre duas palavras,escolho uma terceirae no fim digo o sinônimo.Tu não temes o engano enquanto eu cismo.Tu, tano.
Eu, femismo.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Não sei se dura ou caroável

Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
Bandeira, M. (p2)

Você.


- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios.)
Bandeira, M.

domingo, 27 de janeiro de 2008

As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender...


"Hoje eu vim, minha nega, querendo aquele sorriso
Que tu entregas pro céu quando te aperto em meus braços
Guarda bem minha viola, meu amor e meu cansaço"
Nara Leão

lu - "Ana e o Arco-Íris"


"O coração de Ana bateu com força e o seu ser abriu-se à magia do momento como uma rosa ao tempo.
Ana desejou ardentemente ter asas e voar até ao Arco-Íris. Lá tudo tinha de ser belo, alegre e certo: girassóis e searas maduras no amarelo; sol resplandecente no laranja; no vermelho, papoilas e cerejas; no anil, nenúfares e sons puros de harpa; no violeta, violinos, violetas e borboletas; no verde, muitas árvores e um baloiço suspenso; no azul, apenas céu e mar – e um barco à vela a deslizar."
Maria João Reynaud

Vem logo pra mim!


Eu aliso a aliança. Ela ainda coça, sabias? É tua mão suando na minha.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Eu devolveria o bilhete!


"A morte é desesperadora. A morte é o fim das leituras, o fim das viagens, o fim do amor, o fim do sexo, o fim da música, o fim de tudo. Todavia, é ótimo que haja morte. Nós temos de assumir nossa mortalidade. Quanto mais assumirmos isso, mais poderemos degustar a vida.
Se houvesse vida após a morte, eu seria condenado à eternidade? Ao que parece sim, embora isso não seja necessário. Mas se fosse eterno, isto é, se minha vida pós-morte implicasse uma duração infinita no tempo, eu mais perderia do ganharia. Ora, eu não escolho nascer, mas posso escolher me matar. Se fosse eterno não teria essa liberdade."

Agnaldo Pavão

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Frágil


O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Drummond

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A Pomba


Nous n'irons plus au bois la colombe est blessée
Nous n'allons pas au bois nous allons la tuer
por que o vagão pesado
tão depressa, carregado
de rostos e cores cinzas
que se vão para nunca mais?

por que toda essa guerra se a pomba ficou ferida?
Nous n'irons plus au bois la colombe est blessée
Nous n'allons pas au bois nous allons la tuer
Jacques Brel por Nara Leão

Fabrício Carpinejar

Que eu possa devolver os livros que tomei emprestado. Que eu não peça a devolução dos livros que emprestei. Que eu tenha dúvidas, melhor do que certezas e falir com elas. Que eu faça o medo amadurecer em esperança. Que meus amigos desempregados deixem de comprar o jornal pelos classificados. Que a poesia não fique na estante mais escondida das livrarias. Que eu faça fantasia mesmo acordado. Que minha letra aprenda a montar no cavalo das linhas. Que eu ande de bicicleta para enxergar a cidade diferente. Que eu cuide das plantas da mão alisando a chuva. Que eu não fique cobrando para me aliviar do trabalho. Que eu tenha menos vaidade e mais realidade. Que eu invente mentiras convincentes para deixar as verdades com ciúmes. Que eu não pense na morte antes de dormir. Que eu volte a rezar sem querer. Que eu possa nadar na neblina. Que eu não tenha receio de ser ridículo. Que eu faça amigos falando do tempo. Que eu escreva nos livros o que os livros me escrevem. Que eu possa brincar mais sem contar as horas. Que eu use somente as palavras que tenham sentido. Que eu prove a comida nas panelas. Que eu aceite os conselhos da loucura. Que transforme a raiva em vontade de me entender. Que o trânsito não seja sauna. Que eu passe a xingar o pai do juiz no estádio. Que eu atinja o segundo andar das ameixeiras. Que eu abra o capô apenas do piano. Que eu não precise fechar as janelas na sinaleira. Que eu visite mais minha sogra. Que eu me levante de bom humor. Que eu leve a cama até o café. Que o inverno seja uma garrafa de vinho e vaga-lumes dentro. Que o governo seja suficientemente competente para não ser pivô das conversas. Que eu me lembre dos nomes dos filmes que assisti. Que eu não cante em público. Que a eternidade possa sentir saudades da vida.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Outro dia


"— Sai, Linda — ela gritou, ameaçando um pontapé. A cadela pulou de lado, ela riu. — Só ameaço, ela respeita. Coitada, quase cega. Uma inútil, sarnenta. Só sabe dormir, comer e cagar, esperando a morte."

Caio Fernando Abreu

Vladimir Kush

sábado, 19 de janeiro de 2008

Não chegar de madrugada, e não beber mais cachaça

Na boca as mesmas palavras

Hoje eu vim, minha nega, andar contigo no espaço
Tentar fazer em seus braços um samba puro de amor
Sem melodia ou palavra pra não perder o valor
Nara leão

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Produção em massa


As pessoas dessas casas vão todas pra universidade
Onde entram em caixinhas quadradinhas iguaizinhas
Saem doutores, advogados, banqueiros de bons negócios
Todos eles feitos de tic tac, todos, todos iguaizinhos

Jogam golf, jogam pólo, bebendo um bom martini dry
Todos têm lindos filhinhos bonequinhos engomadinhos
As crianças vão pra escola, depois pra universidade
Onde entram em caixinhas e saem todas iguaizinhas

Os rapazes ficam ricos e formam uma família
Todos eles em caixinhas, em casinhas iguaizinhas
Uma verde, outra rosa e outra bem amarelinha
E são todas feitas de tic tac, todas, todas iguaizinhas

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Imagem: Antoni Gaudí
Versos: Nara Leão

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Cada ser tem sonhos a sua maneira

Ali tão sempre perto e não me vendo
Ali sinto tua alma flutuar do corpo
Teus olhos se movendo sem se abrir
Ali tão certo e justo e só te sendo
Absinto-me de ti, mas sempre vivo
Meus olhos te movendo sem te abrir
Corre solta suassuna noite
Tocaia de animal que acompanha sua presa
Escravo da sua beleza
Daqui a pouco o dia vai querer raiar

Ney Matogrosso e Pedro Luis e a Parede


segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

menos rei e um pouco mais real.



"Disperso...E a hora como um leque fecha-se...
Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar...
O tédio? A mágoa? A vida?
O sonho? Deixa-se...
E, abrindo as asas sobre Renovar,
A erma sombra do vôo começando
Pestaneja no campo abandonado..."

Fernando Pessoa

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

obvious


René Magritte