domingo, 25 de agosto de 2013

.Desejei ser aquele papel que subiu tão alto.

 



Enquanto andava sozinho naquela terra pouco pisada pelos homens, entre o curral, no meio das vacas, falava alto coisas que saídas da boca soavam sem sentido, mas que na sua cabeça formava uma reflexão orgânica. Trazia o ouvido limpo e os olhos frescos enquanto corria a mão nos pelos dos animais, sempre repetindo: por que o mundo me comove tanto? Sofria as dores de muitas coisas ao mesmo tempo, coisas que nem eram dele, coisas do de fora. E agradecia, internamente, por estar entre os animais. Era um alívio. Os homens trazem julgo pesado, quase sempre. Com os animais era apenas um mugido constante. Teria se embrutecido?  Olhava os olhos dos animais, era aquele profundo, e quando olhava os olhos dos homens pensava conjecturas, sempre para o ruim. O homem era um abismo, um abismo tão sombrio que devorava. Passou a se questionar se tinha necessidade disso. Por que não viver fitando os olhos dos animais, trocando pequenas carícias, alisando seus pelos, em uma atividade não-destrutiva? E era assim que via o homem, destrutivo? Talvez. Chegava a pensar que sua própria pele te atrapalhava: se eu arrancasse toda e oferecesse ao outro, despisse meu ser de fora e oferecesse o ser de dentro, poderia me aproximar? Poderia me oferecer sem amarras, sem todos os desenhos da pele que intensificavam os abismos, mas não conseguiria. Era sim um embrutecer, estava desejando o convívio com os irracionais. Deveria se despir, mas como?  

LG

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

.Outros que contem passo por passo, eu morro ontem, nasço amanhã, ando onde há espaço.

Já havia esquecido o sentimento reconfortante da primeira semana de trabalho, é quase como um cansaço prazeroso. Depois, é claro, como todas as outras coisas, a rotina acaba por tornar o trabalho insuportável, e, no segundo mês, você deseja férias. Mas o começo, Ah! O começo tem um quê de reconhecimento com merecimento... Hoje de manhã, na sala dos professores, uma fila se formava frente a garrafa de café. Desisti do café e resolvi sentar ao lado de um senhor de cabelos brancos. Observei que ele conversava com a colega de profissão sobre Fernando Pessoa. Fiquei mais atenda. De repente ele solta, sabe aquele poema, "o poeta é um fingidor, finge tão completamente..." Parou, passou os dedos entre os cabelos brancos, olhou desapontado para a moça (que não ajudou), e disse: esqueci o resto. Começaram a rir, e no fim da risada eu disse: "que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente". Ele me olhou, a outra professora também, e foi assim que esse lugar, depois de hoje, se tornou menos hostil. Junto com o novo amigo grisalho veio um livro de sua autoria, poemas! Amanhã apresento um por aqui. E, como dizia Hilda Hilst, "não sabemos o dia de amanhã Hilé, talvez o amanhã demora para ser, recolha seus cacos que a mesa precisa do vazo". Segui pensando as deixas de Pessoa e Hilst, pensando na vida que segue revezando cascos e carícias. 

domingo, 18 de agosto de 2013

.Notícias do quase além.



Eis que surge, aparece do nada, a doida. Que doida? Mas a doida não capotou, se quebrou toda e morreu? Não é que não morreu, menina! Ta firme e forte. Vai ser necessário pagar uma mandinga mais brava pra enterrar a doida.

Pois bem, apenas agora, com a casa, a cabeça e os ossos nos seus devidos lugares, ou quase, é que dá para produzir alguma coisa. Para que tudo aparente estar no lugar, e se torne possível – se é possível – é só dar tempo de procurar uma tomada, ligar o DVD, a TV, procurar a Bethânia e escutar uma frase, pronto, parece que os móveis se encaixam, dá unidade, vira um lar, e tudo dói um pouco menos. A dessa vez foi: “e se alguém interessa saber, sou bem feliz assim, muito mais do que quem já falou, ou vai falar de mim”. Foi isso. Parece que a frase vai ser de grande valia e terei que usá-la inúmeras vezes com os curiosos, uma vez que a morada volta a ser a pequena e pacata cidade do interior paulista, onde têm pessoas regradas que vão à igreja de domingo. Nada mais covarde do que escolher uma casa do lado dos pais e da irmã, para morar cercada, como se fosse precisar deles a qualquer momento, ou, caso precisasse já estivesse tudo ali, logo ali. É bom deixar esse tema para depois, quando tudo estiver realmente no seu lugar. Boa missa!
LG