segunda-feira, 22 de abril de 2013

.Com o rosto lavado saiu do quarto com a resposta na ponta da língua, procurou a outra, não encontrou.


Subiu na mesa, parou a festa, tomou um gole e pediu atenção. Sapateou, rodou lá em cima, foi difícil. Era patético. Uma deprimente cena juvenil, sofrida e tocante, engraçada pra quem não estava envolvido. Mas tinha tanto pra expulsar, elefantes galopando suas costas. E começou... deixou porque teve que ir embora, não deixou por recalque meu. O sexo não funcionava mais, e a boca não tinha mais aquele gosto de desejo, era uma obrigação entende? Tudo rotina, tudo uma coisa vazia. Não era esse negócio de amor, paixão também não era. Era uma amizade gostosa. Era amizade também, porque agora nem isso é. E saiba vocês que fui a deixada por não dar muito empenho, coloquei mais gelo no gelo, encaixotei a sedução, me meti com meu trabalho. E assim foi. Levantava cedo e colocava só uma xícara na mesa do café, só minhas músicas tocavam, só meus livros estavam na estante, só minhas toalhas estavam no cesto, era tudo meu, até a solidão. Até os quadros eram meus. Não tive tempo de parar de pensar assim. Pensar que era tudo nosso, e que existíamos todos ali com o cachorro, eu queria isso. Também não tive, e me fez falta, foi uma cabeça minha esculpida, igual a do Bukowski, presente dado por ela, queria uma cabeça pra deixar na calçada, pra ligar desdenhando, pra fazer chantagem, mas não tinha cabeça. Mulher despeitada faz chantagem, mulher largada faz chantagem, mulher recalcada também. Desci e as pessoas me olhavam uns com cara de mais amigos do que antes, ternos, outros viravam o rosto quando eu os fitava como se dissessem “eu não ouvi nada disso”, e no caminhar fui relaxando, arrumando a postura, erguendo a cabeça e me livrando de tudo aquilo. O bom era a reflexão, teve casais brigando depois, teve gente se beijando, fazendo juras, uns ressaltaram boas qualidades, outros lavaram roupas sujas, e me esqueceram ali, ouvinte, observando o resultado. A menina que me ateou líquido no rosto foi vista encolhida e anônima, com o desgosto da resposta estampado. Eu sorridente e irônica. Digna de uma mentira bem contada e enfeitada, toda feliz com o resultado do improviso, do conto e da imaginação.
LG

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