quarta-feira, 29 de outubro de 2008

.Tenho medo dessa desorganização profunda.

... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso. Apesar de...

.Londrina e o Jogo Democrático.

Pois quando o assunto é política, nós assistimos de camarote.

Vocês podem até não entender, mas nessa hora o macro engloba o micro e tudo funciona como se eleição nenhuma fosse legítima, como se a máscara do mocinho de repente caísse e a história estivesse toda a mercê do futuro. Democracia é o nome disso e para representantes justos ainda não existe um termo.

lg

terça-feira, 28 de outubro de 2008

.Apesar das aparências.

Um autor ilustre diz que só o mau é sozinho; eu digo que só o bom está sozinho. Se essa proposição é menos sentenciosa, ela é mais verdadeira e mais racional do que a precedente. Se o mau estivesse só, que mal faria? É na sociedade, em coletivo, que ele arma seus engenhos para prejudicar os outros.

.De boa música viverá o homem.

.Mais uma vez jantaste: a vida é boa.


Cheio de sugestões alimentícias, matas a fome
dos que não foram chamados à ceia celeste
ou industrial. Há ossos, há pudins
de gelatina e cereja e chocolate e nuvens
nas dobras do teu casaco. Estão guardados
para uma criança ou um cão. Pois bem conheces
a importância da comida, o gosto da carne,
o cheiro da sopa, a maciez amarela da batata,
e sabes a arte sutil de transformar em macarrão
o humilde cordão de teus sapatos.

.é semeado no vento.

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

.il me plaît.



Até que ele chegou às grades e ali parou. Lá estavam o búfalo e a mulher, frente à frente. Ela não olhou a cara, nem a boca, nem os cornos. Olhou seus olhos.

E os olhos do búfalo, os olhos olharam seus olhos. E uma palidez tão funda foi trocada que a mulher se entorpeceu dormente. De pé, em sono profundo. Olhos pequenos e vermelhos a olhavam. Os olhos do búfalo. A mulher tonteou surpreendida, lentamente meneava a cabeça. O búfalo calmo. Lentamente a mulher meneava a cabeça, espantada com o ódio com que o búfalo, tranqüilo de ódio, a olhava. Quase inocentada, meneando uma cabeça incrédula, a boca entreaberta. Inocente, curiosa, entrando cada vez mais fundo dentro daqueles olhos que sem pressa a fitavam, ingênua, num suspiro de sono, sem querer nem poder fugir, presa ao mútuo assassinato. Presa como se sua mão se tivesse grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa, enquanto escorregava enfeitiçada ao longo das grades. Em tão lenta vertigem que antes do corpo baquear macio a mulher viu o céu inteiro e um búfalo.

.Enfim, estou exausta.

Cansei. De todas as causas extremas, dos revolucionários surdos, da verdade conquistada no grito. Cansei do suposto altruísmo em prol do "bem comum". Cansei dos que, por algum motivo desconhecido, acreditam poder falar por mim. Cansei do barulho exagerado mascarando ignorâncias. Cansei do vale qualquer coisa em qualquer lugar, só porque a intenção é nobre. Cansei da violência velada.Cansei das manifestações terminarem em samba. Cansei dos rótulos, das classes, dos partidos. Cansei da fé cega que quer ganhar a qualquer custo. Cansei dos exércitos pela paz. Cansei da unanimidade burra.

Cansei dos apitos atrapalhando a fala. Cansei dos que juram possuir A verdade. Cansei dos que berram nos lugares errados, para as pessoas erradas. Cansei de quem não sabe o que é legítimo. Cansei de ser coagida a participar de boicotes. Cansei dos que aderem por inércia. Cansei dos que esquecem onde termina o protesto e começa a desordem. Cansei de não conseguir acreditar.

domingo, 26 de outubro de 2008

.Pois a miséria não consiste na privação das coisas, mas na necessidade que sentimos delas.


Quantas vozes hão de se erguer contra mim! Ouço os clamores distantes dessa falsa sabedoria que sem cessar nos tira para fora de nós mesmos, que sempre considera o presente como nada e, perseguindo sem tréguas um futuro que foge à medida que avançamos, de tanto nos levar para onde não estamos, leva-nos para onde não estaremos nunca.

.Quanto mais vencemos o prazer, mais a felicidade se afasta de nós.


Todo sentimento de sofrimento é inseparável do desejo de se livrar dele; toda idéia de prazer é inseparável do desejo de desfrutá-lo; todo desejo supõe privação, e todas as privações que sentimos são penosas; portanto, é na desproporção entre os nossos desejos e as nossas faculdades que consiste a nossa miséria.

sábado, 25 de outubro de 2008

.Vive sem consciência de sua própria vida.

És tão exagerado o quando pensa que és, de maneira que não possa atingir ninguém se não tu mesmo. O indivíduo enquanto ser ímpar desenvolve ‘a sua maneira’ meios e possibilidades de tornar-se par, ‘maneiras’ completamente robustas em suas complexidades.

O ser que apenas toma decisões ímpares exila-se em sua solidão ‘em busca de algo que se quer gostaria de encontrar’, seria como se a solidão por si só se resolve, e os meios de livrar-se dela fosse apenas desencargo de consciência. A necessidade de permanecer par rapidamente se esvai e as conquistas da solidão de um ser uno agigantam-se.

O indivíduo nunca se sente pleno se não enquanto dono de si mesmo ou dono de outrem, em outras medidas o indivíduo não é mais o que gostaria de ser, é mutável, dúbio, flexível como matéria solúvel. O indivíduo realiza-se à medida que suas forças se ampliam, seja sobre ele, seja sobre o outro, seja sobre uma representação de sentidos...

lg

.Vossas carícias não curarão sua dor.


Fogos de artifício, vícios, suicídio
Belezas e dores no vídeo
Surfe, tsunami invade o litoral
Lá no paraíso

Tinha tédio, assédio, contágio
Febre, suborno, litígio
Pontes, asfalto, pedágio
E um sobressalto acorda os vizinhos

.E já não sentimos a noite.

E a lua pousa
em teu rosto. Branco, de morte caiado,
que sepulcros evoca mas que hastes
submarinas e álgidas e espelhos
e lírios que o tirano decepou, e faces
amortalhadas em farinha. [...]

O rosto branco, de lunar matéria,
face cortada em lençol, risco na parede,
caderno de infância, apenas imagem
entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe,
sozinha, experiente, calada vem a boca
sorrir, aurora, para todos.

Drummond de Andrade

.A dominação e o poder.



Não é necessário uma longa experiência para perceber como é agradável agir pelas mãos de outrem e só precisar mexer a língua para fazer com que o universo se mova.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

.Viva.

Então acenderam a vela. E então José, o líder, cantou com muita força, entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou surpreendidos, "vamos! todos de uma vez!" — e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês passaram a português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo em inglês.

Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa [...] A dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor - e acendeu a lâmpada.

.Rito de passagem.



Viver não é respirar, mas agir; é fazer uso de nossos órgãos, de nossos sentidos, de nossas faculdades, de todas as partes de nós mesmo que nos dão o sentido de nossa existência. O homem que mais viveu não é o que contou maior número de anos, mas aquele que mais sentiu a vida.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

.Escuro claro.



A saudade é um filme sem cor, que o meu coração, quer ver colorido.

.Emílio.


Rousseau é daqueles que acham que não há covardia pior do que o abandono dos filhos que se teve o prazer de fazer: “Um pai, quando gera e sustenta filhos, só realiza com isso um terço de sua tarefa. Ele deve homens a sua espécie, deve à sociedade homens sociáveis, deve cidadãos ao Estado. Todo homem que pode pagar essa divida tríplice e não paga é culpado, e talvez ainda mais culpado quando só a paga pela metade. Quem não pode cumprir os deveres de pai não tem direito de tornar-se pai. Não há pobreza, trabalhos nem respeito humano que o dispensem de sustentar seus filhos e de educá-los, ele próprio.
Rousseau

.Muito bom!.

Alguns doutores em ciências descobriram que quanto maior o intestino, mais místico o indivíduo. E quem mais místico que Deus?
Grande Intestino, orai por nós.

Hilda Hilst

.Rousseau.



O primeiro que tendo cercado um terreno se lembrou de dizer: "Isto é meu", e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdido se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém"

.Autodidata é um ignorante por conta própria.



De um autor inglês do saudoso século XIX: O verdadeiro gentleman compra sempre três exemplares de cada livro: um para ler, outro para guardar na estante e o último para dar de presente.

Que Mário? O Quintana.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

.É preciso acordar para beber.



A ciência não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar.

Freud

.É escusado sonhar que se bebe.



Um homem que está livre da religião tem uma oportunidade melhor de viver uma vida mais normal e completa.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

.A alma e a matéria.



Procuro nas coisas vagas

Ciência!

Eu movo dezenas de músculos

Para sorrir...

.Depois, retoma coisas e pessoas .



O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.

.A amiga Clarice com carinho.

Apenas desejo intensamente que você não avance demais para não cair do outro lado. Você tem de ser equilibrista até o fim da vida. E suando muito, apertando o cabo da sombrinha aberta, com medo de cair, olhando a distância do arame já percorrido e do arame a percorrer — e sempre tendo de exibir para o público um falso sorriso de calma e facilidade. Tem de fazer isso todos os dias, para os outros como se na vida não tivesse feito outra coisa, para você como se fosse sempre a primeira vez, e a mais perigosa.

domingo, 19 de outubro de 2008

.Amor é dado de graça.



Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim.

sábado, 18 de outubro de 2008

.Tão selvagem quanto consegues ser.



A lua clareou no terreiro berreiro,


eu parei pra escutar e abrir a janela do mundo,


eu ria na noite vazia, eu via mas crer eu não cria...


Um saco de vento fechado


E o tempo parado no fundo

.Em tempos de amor escasso, proteja-se quem puder.







Amar é reconhecer-se incompleto.


Guimarães Rosa

.EU SOU ESTAMIRA.



Sacrifício é uma coisa, agora, trabalhar é outra. É um depósito dos restos; às vezes é só resto e às vezes vem também o descuido. Resto e descuido (...)

Como não admirar - e concordar - com a frase dita por uma doente mental crônica segundo a qual "não existem mais ´inocentes´, mas sim ´espertos ao contrário´ ?"
Isso é Estamira:
"A minha missão é revelar''
"Eu não tenho raiva de homem nenhum. Eu tenho dó"
"Vocês não aprendem na escola. Vocês copiam"
"Copiar hipocrisias e mentiras"

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

...

.com você em particular.


Procuro explicar o meu sentimento
E só consigo encontrar
Palavras que não existem no dicionário
Você podia entender meu vocabulário
Decifrar meus sinais, seria bom

Eu só não te convido pra dançar
Porque o assunto que eu quero contigo é em particular

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente. Parecia oca.


Pusera-lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala silenciosa.De vez em quando consciente dos guardanapos coloridos. Olhando curiosa um ou outro balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo.
Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.— Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito, olhando para a esposa.A velha não se manifestava.
Do dia em que as raízes vão se esgotando...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

.Sim sim.


É minha canção resto de oração
Que fugiu da igreja
Não quis mais do vinho
Foi tomar cerveja.

.A lua.

Sua cor não se percebe
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia, mas é realmente uma flor.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

'Em Liberdade'


Se a única coisa que de o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano.

.Sussurro sem som.


Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.

domingo, 12 de outubro de 2008

.Eles sabem que possuem asas.

A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

.Se dá o desespero de esperar demais .


apenas sempre entretanto tu mesmo,
o que não está de acordo e é meigo,
o incapaz de propriedade,
o pé
errante,
a estrada
fugindo
, o amigo
que desejaríamos reter
na chuva, no espelho, na memória
e todavia perdemos

.Pra esperar também.

aprendiz; bombeiro; caixeiro; doceiro
emigrante; forçado; maquinista
noivo; patinador; soldado
músico; peregrino
artista de circo
marquês
marinheiro
carregador de piano

.Está esperando um filho.

Colo teus pedaços. Unidade
estranha é a tua, em mundo assim pulverizado.
E nós, que a cada passo nos cobrimos
e nos despimos e nos mascaramos,
mal retemos em ti o mesmo homem...

.E a mulher de Pedro.


Ficaste apenas um operário
comandado pela voz colérica do megafone.
És parafuso, gesto, esgar.
Recolho teus pedaços: ainda vibram,
lagarto mutilado.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

.Lá no fundo.



.A água do mar me bebe.

.É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.



Uma flor nasceu na rua!


Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.


Uma flor ainda desbotada


ilude a polícia, rompe o asfalto.


Façam completo silêncio, paralisem os negócios,


garanto que uma flor nasceu.

.lagarto mutilado.


Uma cega te ama. Os olhos abrem-se.
Não, não te ama. Um rico, em álcool,
é teu amigo e lúcido repele
tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos
o que há de água, de sopro e de inocência
no fundo de cada um de nós, terrestres.

.Tem horas que não existe generosidade.


E quando a corrida é por si só “há de caminhar depressa, porque os retardatários o diabo agarra no caminho. Se não o diabo, pelo menos a miséria e a fome, que é ainda pior que o diabo.”

terça-feira, 7 de outubro de 2008

.Era preciso que um poeta Brasileiro...

Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,
e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,
e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,
só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.

Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti
como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.

[...]

E falam as flores que tanto amas quando pisadas,
falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões,
os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas,
cada troço, cada objeto do sótão,

quanto mais obscuros mais falam.

.Um pouco cansada.

O cansaço ronca em cima de uma pedra, enquanto a indolência acha duro o melhor travesseiro.

.Céu dos cachorros, cheio de preás.

Fabiano, você é um homem?

.Calabar.


O traidor se chama Calabar.
Outros terão levado segredos,
Outros terão levado propinas,
Mas esses sabem se portar.
Outros terão se sujado as calças,
Outros terão delatado amigos,
Mas esses voltam pra jantar.
Outros irão vender sua terra,
A casa, a cama, a alma, a mãe, os filhos,
O povo, os rios, as árvores e os frutos.

.Dada a situação.

Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois animais louros. A mulher desviou os olhos da janela, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado e tranqüilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. .Mas isso é amor, é amor de novo., revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio mas era primavera e dois leões se tinham amado. Com os punhos nos bolsos do casaco, olhou em torno de si, rodeada pelas jaulas, enjaulada pelas jaulas fechadas. Continuou a andar. Os olhos estavam tão concentrados na procura que sua vista às vezes se escurecia num sono, e então ela se refazia como na frescura de uma curva.

Clarice Lispector, .O búfalo..

.A arte de não dizer.

Só teve certeza que estava no local certo quando ouviu as batucadas. Amedrontou-se. Quando vieram ao seu encontro aclamaram um ‘oba-bate-de-ori’, nada compreendeu, tão pouco alguém compreenderia. Sua avó dizia que caso buscasse a cura deveria seguir mais a frente, ao encontro dos candomblés nagôs, foi o que fez. Ela estava mesmo era ababelada com tudo aquilo, como aconteceu com aquele povo quando BABEL veio a baixo, ababelaram-se. Se fosse outra cultura, indígena talvez, como os milhares de tupis, dir-lhe-iam que estava com o Abaçai no corpo e que os espíritos malignos a enlouqueceram. A noite que a moça desejava que terminasse logo caia sem muita pressa, vacilante e frouxa.
lg

.Não é paranóia não.

"Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele."

domingo, 5 de outubro de 2008

.Berro por seu berro, pelo seu erro.

.Esse papo tá qualquer coisa.

Năo se avexe năo, baiăo de dois, deixe de manha, deixe de manha
Pois sem essa aranha, sem essa aranha, sem essa aranha
Nem a sanha arranha o carro, nem o sarro arranha a Espanha
Nessa tamanha, nessa tamanha, esse papo seu já tá de manhă

.Lá sou filho do rei.

.Bem cedo, ou mais tarde.

A Cartola do afeiçoado senhor trepidou sutilmente cumprimentando as formosas donzelas, as mesmas de sempre, as quais se encontravam ali, nas janelas, do nascer ao por do sol. Passou sem que desta vez fizesse muita observação, lembrava de cada rosto, debochadamente, como se as molduras já fossem ornamentos orgânicos que se fundia aos penteados vários. Quase sempre, essas moças de meia idade, já maduras para casar, atiravam-lhe objetos, lencinhos, cravos vermelhos, em uma atitude desesperadora, uma súplica calculada. Gostava disso, mas hoje não se atentou aos seus movimentos. Logo pela manhã o dia fazia-se agradável. De sol calmo. Uma parada no requintado café Orleans, em dias normais atrever-se-ia assentar por mais tempo, mas hoje ficaria pouco por ali. Fez questão de inovar no pedido. – Um chá! A visita à loja de vinil era indispensável, porém, apenas desta vez, para evitar o atraso, rumou ao encontro. Passou novamente pela rua das molduras, sentiu ser observado por todas elas, não se ateve. Alguém em todo aquele vilarejo marchava rumo aos prazeres da carne. Parou na casa de porta amarela, encontrava-se no segundo terreno depois da esquina, bateu três vezes, bastou para que lhe atirassem a chave. Subiu. Repousou a cartola em um criado-mudo. Devolveu a chave. Sorriu pela metade. Envergonhou-se. Mostrou o dinheiro. A dama ainda olhou para o anel. Retirou-o colocando sobre o criado. Deitou por cima, ora por baixo amando 3 mil trocado de réis e um anel familiar. Pegou a cartola. Passou pelas moças nas janelas. Voltou ao café e ao terminar rumou a loja de vinil.
lg

Tu, para amenizar as dores tuas,

Eu, para amenizar as minhas dores!
Que cousa triste! O campo tão sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!

.Os automóveis que me cercam.



Nas asas do bem desse mundo
Carregam um quintal lá no fundo
A água do mar me bebe
A sede de ti prossegue
A sede de ti...

sábado, 4 de outubro de 2008

.As asas de gigante impedem-no de andar.


Que plana sobre a vida a entender afinal
A linguagem da flor e da matéria sem voz!

.Como já disse outrora.

Eu deveria mesmo ter medo, agora eu tenho pacotes de vários sentimentos, eu deveria ter desapego, agora tenho objetos cheios de simbolismo, eu deveria ter uma mente menos destrutiva, agora tenho uma apostila atualizada e com gravuras, eu deveria ter seguido o conselho de um amigo e me exilar por 3 dias, mas no momento estou aprendendo a ser gente grande, tornando-me engrenagem de uma grande máquina, estudando, trabalhando, comendo, dormindo e sistematizando isso em horários fixos, aprisionada, disso realmente eu tenho medo. Medo de ser apenas uma peça, de me colocarem em uma esteira de produção em série, de me confundirem com alguém na rua ou fingirem não me reconhecer, de perder minha originalidade ( se é que um dia tive uma), medo de tornar-me tudo aquilo que eu critiquei um dia, medo não do fogo, mas de um coração gelado.
lg

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

.Reproduzir as alegrias, os sofrimentos.

Parecem indicar que atuam sobre as sociedades, como sobre os indivíduos, independentes de pressão econômica, forças psicofisiológicas, suscetíveis, ao que se supõe, de controle pelas futuras elites científicas – dor, medo, raiva – ao lado das emoções de fome, sede, sexo.

.Fome crônica.



Salientam-se entre as conseqüências da hiponutrição a diminuição da estatura, do peso e do perímetro torácico; deformações esqueléticas; descalcificação dos dentes; insuficiência tiróidea, provocações de velhice prematura, fertilidade em geral pobre, apatia. Eis aqui o sangue maldito das chamadas ‘raças inferiores’.

.O Menino do Dedo Verde.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

.Meu objetivo.


Não visava apenas demonstrar, mas convencer.

E convencer significa ‘vencer junto’, autor e leitor.

.A crença na crença.



Devemos respeitar a religião do outro, mas só no mesmo sentido e na mesma proporção com que respeitamos sua teoria de que sua mulher é linda e que seus filhos são inteligentes. OU SEJA, DEVEMOS?!




É impressionante a quantidade de gente que não consegue entender que "X é um consolo" não siginifica "X é verdade"

.Trovas de muito amor.

Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? Vamo brincá

de teta

de azul

de berimbau

de doutora em letras?

E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...

Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?

Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?

nave

ave

moinho

e tudo mais serei

para que seja leve

meu passo

em vosso caminho.*

Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

.Só não se perca ao entrar.

No meu infinito particular...
É só mistério, não tem segredo.

.Os negreiros.

Devemos mais que gratidão: "A grande muralha movediça de carne, que foi alargando as fronteiras do Brasil. A lama de gente preta que fecundou os canaviais e os cafezais e lhe amaciou a terra seca."
Gilberto Freyre

.Somos uns boçais.


Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Índios e padres e bichas
Negros e mulheres
E adolescentes
Fazem o carnaval...