sexta-feira, 30 de julho de 2010

.O que ela leu pra mim.

Marcela estava reclinada numa rede, o gesto mole e cansado, uma das pernas pendentes, a ver-se-lhe o pezinho calçado de meia de seda, os cabelos soltos, derramados, o olhar quieto e sonolento. [...] E mostrei-lhe o pente com os diamantes. . . Marcela teve um leve sobressalto, ergueu metade do corpo, e, apoiada num cotovelo, olhou para o pente durante alguns instantes curtos; depois retirou os olhos; tinha-se dominado. Então, eu lancei-lhe as mãos aos cabelos, coligi-os, enlacei-os à pressa, improvisei um toucado, sem nenhum alinho, e rematei-o com o pente de diamantes; recuei, tornei a aproximar-me, corrigi-lhe as madeixas, abaixei-as de um lado, busquei alguma simetria naquela desordem, tudo com uma minuciosidade e um carinho de mãe. [...] A segunda foi puxar-me para si, e pagar-me o sacrifício com um beijo, o mais ardente de todos. Depois tirou o pente, admirou muito a matéria e o lavor, olhando a espaços para mim, e abanando a cabeça com um ar de repreensão: Marcela refletiu um instante. Não gostei da expressão com que passeava os olhos de mim para a parede, e da parede para a jóia; mas toda a má impressão se desvaneceu, quando ela me respondeu resolutamente:

- Vou. Quando embarcas?

MACHADO, A.

.Eu te vejo sair por aí, te avisei que a cidade era um vão.


quinta-feira, 22 de julho de 2010

.Eu sou seus ouvidos.

Existem perspectivas e análises diferentes, fato. O necessário é nunca dar as costas para os outros pontos de vista, mesmo porque a chance de estarmos errados em nossas teorias, em nossos recortes, em nossas interpretações é enorme. Sabendo disso ontem fui alertada por uma “muito amiga minha” que, às vezes, quando escrevo, não coloco muito de mim, mas sim, quase sempre, uma pequena parcela do que eu quero passar. Verdade isso. Então vejamos, quando passei a imagem da “casa dos pais” e das férias nela, fazendo um recorte monótono e pouco admirável, não pensei em basear todas as férias ou o todo que simboliza a “casa dos pais” como algo pejorativo. Longe disso. A casa dos pais - e a maior permanência nela - é necessário para recarregar as energias, reviver as raízes, contar estórias, ouvir estórias mais do que contá-las e ser você mesmo. Eis que aqui encontra-se o exercício inverso do texto anterior. Seria esse espaço “a casa dos pais” um lugar para ouvir, muito mais do que falar, para aprender, antes de informar e para interagir, ao invés de discursar. É o movimento - ao nos reconhecermos iguais ou menores e passíveis de aprendizado -, que legitima a necessidade que temos de estar ao lado das pessoas que consideramos insubstituíveis. Desse modo, só a consideração e a leitura atenta, de uma pessoa que admiramos, é capaz de fazer com que as coisas cresçam, sem medidas e proporções, culminando em uma melhora inevitável.

Lg

terça-feira, 20 de julho de 2010

.Foi assim!.

Algumas linhas diárias de felicidade expressa. Adianto que não me atrai aqueles blogs-diários, terríveis, e de um mau gosto estampado. Sem contar na péssima qualidade. Sem contar também que um diário é muito mais poético, a escrita, a evolução dela e assim vai. Quando digo: “linhas diárias”, me refiro ao fato de ter escrito ontem e hoje. O motivo da escrita, se é que se faz necessário motivos para escrever, é, de princípio, a mudança de cenário. Tentarei explicar. Férias na casa dos pais, quando a casa assume verdadeiramente essa denominação “casa dos pais” não é lá aquelas coisas. Mas são os pais, então, sem reclamações. O problema, além do grande esforço de ficar longe de tudo que você se apegou, em sua nova casa, é a falta de ouvidos para a sua boca, bem Nietzsche isso, mas é isso mesmo. Nenhum assunto que você domina é de interesse das pessoas com as quais você convive. Meio desanimador, eu diria. Até tentam te dar ouvidos, mas, se conseguem conduzir a conversa por outro caminho, nem pensam duas vezes. Pior é quando você se sente bem mais velha que os mais velhos, e bem careta perto dos mais novos. Ou seja, não tem lugar para você habitar senão aquela bolha acadêmica, com assuntos direcionados, pessoas que se fazem interessadas, e professores que até estimulam esse tipo de discurso. Não é fácil caro leitor! Nenhum pouco fácil.

Lg

segunda-feira, 19 de julho de 2010

.Me perdoa se eu me excedo em minha euforia.

Esses dias disseram que o sofrimento e o tédio absoluto fazem pessoas produzirem mais, escreverem melhor, verdade, concordo plenamente, mas, gostaria de acrescentar que, se é necessário trocar uma feliz realidade, por linhas escritas derivadas de dias de solidão plena, prefiro folhas limpas.

Lg