sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

.Eu civilizada.


Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pela produção nacional, surgem necessidades novas, que para serem satisfeitas dependem de produtos de países mais distantes.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Falando sério.

Aconteceu que, passado alguns anos, Teobaldo não aparecia para visitar a família. O pai, seu José, velho e cansado de esperar, já se contentava com o esquecimento. Sentando na varanda, com seus 70 e alguns anos, seu José recebeu a tão esperada visita. Colocaram a mesa como há muito tempo não se colocava. Teobaldo recebia mimos de criança e via nos olhos familiares vestígios de admiração. Aos poucos foram chegando os tios, os primos e os que souberam da visita.
Casa cheia, atenção voltada ao político, ambiente propício para histórias. Teobaldo ameaçou falar, o silêncio tomou a casa. Começou falando do trabalho e da sua agenda, falava mais da agenda, das visitas, dos jantares, das convenções, do que propriamente da política. Gabava-se. Quando notou que alguns se dispersavam aumentou o tom da voz e começou contar uma história, as pessoas rodeadas o inspiravam. Falava do começo de tudo, do começo do Brasil, dos primeiros homens que aqui chegaram, falou das raízes ibéricas, de miscigenação...
Quando Teobaldo foi embora muitos foram os comentários, falaram da sua pele, do aspecto saudável e das mãos finas. Naquela noite, todos os pais que presenciaram a visita do político desejaram que seus filhos seguissem o mesmo rumo, ganhassem dinheiro, vivessem bem, trabalhassem pouco e desfrutassem muito. Compreenderam que o melhor caminho era, não em todos os lugares, mas no Brasil, que seus filhos optassem pelo trabalho mental, aquele que não suja as mãos e não fadiga o corpo.
Seu José ficou a repetir aos que quisessem ouvir as histórias. Gostava de lembrar algumas frases que Teobaldo dissera naquela noite, pensou tanto nas tais raízes ibéricas e passou a ter receio dos portugueses. Teobaldo justificava algumas das incompetências dos brasileiros e dificuldades do país aos velhos colonizadores, mesmo depois de tantos anos.
O fato importante foi, que mesmo após muitas histórias de Teobaldo, os pais que sonharam aos seus filhos o mesmo futuro do político, não sabiam explicar e nem conseguiam entender o motivo que fizera com que Teobaldo tivesse se sobressaído tanto. Preferiam um contador de historia a um trabalhador. Custaram a entender que no Brasil nada importava tanto como o anel de grau e a carta de bacharel, bens que poderiam equivaler a autênticas ferramentas de dominação e poder.
lg

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

.O preço de um esforço prolongado.


"Tudo é vaidade, mas vale morrer. Para te falar com franqueza, gosto muito do meu trabalho e das minhas idéias, mas, quando penso que este universo não é mais que uma camada de bolor na crosta do mais insignificante dos planetas, quando penso que nossas idéias, nossas obras, tudo o que julgamos fazer de grande, equivale, pouco mais ou menos, a alguns grãos de poeira!..."


Ana Karenina - Tolstói


quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

.Gramsci.

Odeio os indiferentes. Acredito que viver significa tomar partido. Não podem existir apenas homens, estranhos à cidade. Quem de verdade existe e vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, é parasitismo, é covardia! Não é vida.
A indiferença é o peso morto da história.
É a bala de chumbo para o inovador. É a matéria que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos. Odeio os indiferentes também porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

.Cegos que, vendo, não vêem.

O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui. Então perguntou o velho da venda preta, Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira. Ninguém lhe soube responder.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

.Fantasiou-se de político.

Ainda ontem, enquanto tomávamos o café da manhã, anunciou no rádio: Teobaldo, filho de José, fora promovido a senhor de alguma instância do governo. O filho de José, de um José, promovido, para o governo, quem diria. Teobaldo o menino mais novo de José sempre foi falante, daquelas poucas crianças capazes de subir em caixotes velhos, de frutas da última feira e discursar, criar histórias, inventar casos, e qualquer outra coisa que sempre lhe deixava no alto. Tinha imaginação fértil o menino. Tinha tanta imaginação que só existia uma coisa em todo seu ser que poderia ser mais intensa, a preguiça. Teobaldo era bom de história e preguiçoso. Aqui em casa todos se perguntavam (e esse foi o assunto do café, da hora do almoço e do jantar), depois da notícia, se existia pessoa melhor para adentrar ao governo.

José, homem trabalhador, carpinteiro por ironia, casado com Maria, por ironia maior e pai de três filhos, aos 68 anos tinha agora um filho no governo. O mais velho um coitado, desde criança rondava o pai, propício a ser também trabalhador comum. Trazia na face o aspecto sofrido, foi crescendo e passou a “enxergar primeiro as dificuldades a vencer, depois o triunfo a alcançar[1] era persistente e pouco pensador, era um Júnior na vida, um José com data de nascimento alterada, era o fruto perfeito a seguir a condição do ventre. O menino do meio era ainda pior que o menino maior, era gordo, mau trabalhador e mau contador de histórias, era um daqueles filhos que passaria as tardes dormindo na carpintaria a empacar os negócios.

José tinha dois filhos e Teobaldo. Tinha três, mas Teobaldo crescera e ocupara agora outra classificação. Teobaldo, o oposto do menino maior, era do tipo de colher o fruto antes mesmo de plantar a árvore, era astuto, certeiro, sabia o português, falava bonito e por isso fizera-se importante, entretanto, nem por isso deixara de ser preguiçoso. Por mérito era agora membro do governo. Quanto mais perto do governo Teobaldo chegava, menos visita José recebia.

Teobaldo era inteligente e por isso não precisaria trabalhar muito, tinha todos os quesitos necessários para adentrar a política, só assim poderia continuar inventando história e olhando as pessoas de cima.


[1] Sérgio Buarque de Holanda – Raízes do Brasil. Trabalho e Aventura.

LG

.Nada contava nem tinha nome.

O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza,
de dádivas encheram o outono.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

.O vinho, o azeite, as frutas e o sal.


A história, uma vez aberta ao dinamismo, não contempla atos gratuitos e inconseqüentes. Ela devora, segundo uma idéia que seria cara a Hegel, homens e instituições.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

.Como num romance.

Como no cinema
Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilinguindo toda
Ao som do blues

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

.Na cálida textura de um rochedo.



Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

.Te descobres vivo sob um jogo novo.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

.A vida é breve.


Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!

.Que sonho, que mistério.

Quem me acode à cabeça e ao coração neste fim de ano?
Drummond