segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

.Sonho de crocodilo faz parte do chão.

Cá estou. Tomando chá de cadeira em uma sala vazia. Já não importa a forma, a norma, a técnica. Nesse tempo que o importante é ser. Já não importa a métrica. Ninguém entende. Os autores ficaram assim, todos incompreendidos. Os leitores mortos, mesmo que vivos. Já não existe vergonha e erro, o que importa é ter. Sabe-se lá das coisas, entende-se muito pouco. Importa a ilusão. E os anos passam, a vida passa, e o que importa é o vão. Esse escuro entre o hoje e um outro qualquer coisa que venha. Aquela ânsia passou, passaram todos. Já não existe senão. Todos se encurtaram, se arrasaram, beiraram o chão. O que era poesia, virou prosa. Também não importa. Importa o ontem, as lamurias, o não feito. Importa a pena. Importa que sintam, mas não. O hoje passa. O amanhã é longe. Resigna-se.

LG

.Estou convicta de outra noite insone.

Sei que ele estava naquela prateleira acima da linha dos meus olhos, atrás dos poetas portugueses, um palmo à direita da Comédia Humana, porém não será assim tão fácil reencontrar sua vaga. A esta altura os livros já estavam acomodados no fundo da estante, já se empurraram uns contra os outros, parecem que engordam quando confinados. Na ponta dos pés desloco um Bocage da fileira da frente. Há algo de erótico em separar dois livros apertados, com o anular e o indicador, para forçar a entrada de O Ramo de Ouro na fresta que lhe cabe.

BUARQUE, Chico. O Irmão Alemão. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p.10

sábado, 13 de dezembro de 2014

Claro que era neurótica, não há sequer necessidade de dizer.

Juro que nada posso fazer por ela. Afianço-vos que se eu pudesse melhoraria as coisas. Eu bem sei que dizer que a datilógrafa tem o corpo cariado é dizer de brutalidade pior que qualquer palavrão. Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo.  


A hora da estrela.