terça-feira, 23 de outubro de 2012

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

.Fêmeas e loucos, se for preciso escolher não vacila, escolhe os dementados.



E tu, tua altura, magreza, teu olho duro, teu círculo de ouro, distanciamento e secura, teus papéis, teus livros, teu tesouro ser assim – que ninguém perceba, não estou em casa, diga, que desde ontem sumi e ainda não me achei, frivolidade e fadiga desta casa, esse perfume-injúria pelas salas, senta aqui meu bem. Cresce, se faz continente. Chega a ter um espaço que não me pertence, não há mais sabor nos triunfos.

Hilst. Rútilos nada.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

.Ela era meu escândalo.



Desde a pré-história eu havia começado a minha marcha pelo deserto, e sem estrela para me guiar, só a perdição me guiando, só o descaminho me guiando - até que, quase morta pelo êxtase do cansaço, iluminada de paixão, eu enfim encontrara o escrínio*. E no escrínio, a faiscar de glória, o segredo escondido. O segredo mais remoto do mundo, opaco mas me cegando com a irradiação de sua existência simples, ali faiscando em glória que me doía nos olhos. Dentro do escrínio o segredo: um pedaço de coisa.
A paixão segundo G.H.
* escrínio
(latim scrinium, -ii, pequeno cofre, caixa)
s. m.
1. Escrivaninha.
2. Pequeno armário ou cofre.
3. Guarda-jóias.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

.— Meu Deus! — diz o homem. — Que mulher!.



— Ah, a senhora é terrível, dona Merceditas, quando não quer entender as coisas! A que horas ele vem? — Você é um negro sujo, Jamaicano. — Não diga essas palavras, dona Merceditas! — boceja. — Bem, acho que ainda temos um bom tempo. Certamente até a noite. Vamos tirar um cochilo, certo? Levanta-se e sai. Vai até a cabra. o animal olha para ele com desconfiança. Desamarra-a. Volta ao curral fazendo a corda girar como uma hélice e assobiando: a mulher não está. No ato, desaparece a calma preguiçosa, lasciva dos seus gestos. Percorre o lugar aos pulos, xingando. Depois anda até o bosquezinho, seguido pela cabra. Esta descobre a mulher atrás de um arbusto, começa a lambê-la. o Jamaicano ri vendo os olhares rancorosos que a mulher dirige à cabra. Faz um gesto mínimo e dona Merceditas se encaminha para o curral. — A senhora é mesmo uma mulher terrível, se é. Cada idéia que tem! Amarra seus pés e suas mãos. Depois, carrega-a com facilidade e a larga em cima do balcão. Fica olhando para ela com malícia e, de repente, começa a fazer-lhe cócegas nas solas dos pés, que são enrugadas e largas. A mulher se contorce com as gargalhadas; seu rosto revela desespero. O balcão é estreito e, com as sacudidas, dona Merceditas se aproxima da beira: afinal rola pesadamente para o chão.
Vargas Lhosa

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

.Dos desejos: a necessidade de limitar. E de dormir.



Os desejos criados pelos progressos da humanidade (e, acrescentaria, pela sociedade de consumo: desejos de bem-estar, conforto, luxo): são necessidades criadas simultaneamente pelo aumento da produção e pela comparação que fazem entre a sua própria realidade de posição e a posição dos outros na escala social. A ilimitação destas necessidades é fonte de sofrimento (o mesmo homem anômico de Le suicide que estabelece necessidades estruturalmente inacessíveis) e é por esta razão que a educação deve ensinar a criança a moderar os seus desejos, sob pena de nunca ser feliz.

DURKHEIM, R. L’education morale. Presses Universitaires de France, 1963
 É possível dormir depois disso tudo? Quanta tristeza teórica.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

.Nada que distraísse o sono difícil como acalanto.


.Não sei me entregar à desorientação.

Todos esses que ai estão
atravancando o meu caminho.
Eles passarão,
eu passarinho.

Mário Quintana

terça-feira, 9 de outubro de 2012

.Dia de uvinha e Richards.



Não perca tempo, corra. Era isso que minha cabeça martelava, era uma coleção nova, “bárbara, bárbara, nunca é tarde, nunca é demais”. Tão CARO, meu deus. Tão lindas, o linho, a caxemira, tão CLARO o bom gosto, tãotãotão. Com o punho Branco e Rosinha, Azul de listras (estilo o menino de pijama listrado), Branca e Vermelha com lencinho démodé. Por que? Precisava? Como é complicado o fetiche da mercadoria. Maldita Richards. Foi quando cruzei com um exemplar da camisa passando alegre e bem caído nos ombros de alguém. Queria muito sorrir para alegrar meu momento, e mostrar meus dentes. Queria muito não invejar e encontrar um rasgo, um molho na gola, mas nada ajudou. Já havia invejado. Sadicamente vi passar o objeto de desejo e tudo se intensificou, eu precisava daquela camisa. Sempre há uma volúpia. Foi quando armei o sorriso, entrei no mesmo café, convidei-me para sentar na mesma mesa, dei uma desculpa esfarrapada, arranquei risadas, arrisquei uma investida pontual, deu certo. Levei pra outro lugar, fiz molhar a camisa, prometi devolvê-la seca, passada, como garantia de um próximo encontro. Acordei sem nada no varal, mas com um telefone.
LG