terça-feira, 31 de dezembro de 2013

.Te desejo uma estante cheia de livros.

Eu te desejo um livro lacrado, um final de semana parado, e silêncio. Pouca música de balada, aquela tarde animada, e um jogo de xícaras com bolinhas. Um cachorro mijão, um gato de estimação, uma fita no cabelo. Um corte novo, um visual alternativo e que você aprenda a dizer não. Te desejo aquele impulso, que você possa fazer uso, daquele instrumento de percussão. Vai fazer novos amigos, escalar os Alpes Suíços e entrar na natação. Te desejo uma faculdade, uma mesa de boteco com cerveja e que você aprenda a jogar sinuca. Que compre uma bicicleta, que mande um monte de gente a merda, e que conheça um templo budista. Te desejo aquele salário, e uma manchete no noticiário dizendo seu nome com alegria. Um décimo terceiro que pague o IPTU E IPVA e que sobre dinheiro pra você vadiar na Bahia. TE desejo um monte de palavras novas, que seu vocabulário triplique, e que você possa fazer uso disso. Eu te desejo um monte de sobrinho, 14 ou 15 filhinhos e uma escola colorida pra todos eles aproveitarem. Te desejo muita amora, e que você não jogue fora, aquele presente de amigo secreto. Te desejo um computador sem vírus, e milhares de suspiros, pra uma felicidade sem fim.

LG

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

.uma esquizofrênica.

Era uma estrangeira. Nascida e criada no Brasil, mas uma estrangeira nata. Era estranha na terra. Dava a impressão de andar no mundo como quem desembarca de noitinha numa cidade desconhecida onde há greve geral de transportes. Talvez seus amigos mais íntimos e os amigos desses amigos saibam alguma coisa sobre a sua vida. De onde veio, onde nasceu, quantos anos tem, como vive. Mas era “tudo” uma parte muito pessoal. Ela deixava escapar pouquíssima coisa. Era um vácuo de informações. Um pseudônimo. Nebuloso, fragmentada, enigmática, na caricatura que fizeram dela. No íntimo era uma comum, uma filha, uma amiga e uma mulher. Viajou ao Egito. Mas nunca falou sobre, nem pretendeu voltar. Muitos anos depois, relembrou sua breve excursão turística, quando, nas “areias do deserto”, encarou desafiadoramente ninguém menos que a própria Esfinge. “Não a decifrei”, escreveu. Mas ela também não me decifrou. Ninguém disse mais nada. Temia, talvez, que ninguém a compreendesse. E assim fechou a boca, como um monumento, um monstro sagrado, ou um nada qualquer, amarrada a uma lenda que sobreviveria a ela, e que ela própria, de modo relutante e irônico, abraçou. Vinte anos depois de seu primeiro encontro com a Esfinge, escreveu que estava pensando em fazer outra visita: “Vou ver quem devora quem”.

Sobre Clarice, diálogo com Benjamin Moser

domingo, 22 de dezembro de 2013

.O pequeno príncipe.

Quando a gente lhe fala de um novo amigo as pessoas grandes jamais se interessam em saber como ele realmente é. Não perguntam nunca: qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que preferem? Será que ele coleciona borboletas? Mas perguntam: Qual é sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto seu pai ganha? Somente assim é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos as pessoas grandes: vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, pombas no telhado, elas não conseguem de modo algum, fazer uma ideia da casa. É preciso dizer-lhes: Vi uma casa de 600 mil reais. Então elas exclamam “que beleza”!  

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

.O atordoado das horas



Era cedo. Caminhei para a garagem. Como de costume chequei se o celular estava na bolsa, se a carteira estava no carro, e se estava calor o suficiente para ranger o ar. Pensei nas aulas e nos alunos de exame, no preço da DP, e visualizei a manhã. Olhei para o relógio e vi o atraso. Liguei. Era cedo. Engatei a ré, e antes não tivesse feito. Continuei. Sai olhando o lado esquerdo, concentrada para que não raspasse a lateral na garagem apertada. Era cedo, mas antes tivesse ficado na cama. De repente um barulho, como se o pneu estivesse mordido a guia. Era tarde. Olhei no retrovisor e vi uma cara de “ai”. Era a cara dela de “ai, que dor”. Não dava pra esses momentos. Até tentei interpretar a expressão dela diante da visão, mas não me aproximei do acontecido, nem perto cheguei. Terminei. Sai da garagem de modo que pude olhar o espaço, e lá estava se debatendo o bichinho sem nome. Dormia em cima da roda dianteira, ela girou e inevitavelmente terminou com tudo. Era o fim, no começo do dia. Observei três esticadas, e ele se foi. Era uma dor horrível que eliminou todo atraso do mundo. Não tinha mais jeito. E não era minha culpa, mas era um fim tão começo. O animal novo. Uma inexperiência custosa. Uma vontade de ter previsto, mas como? Liguei para o veterinário, expliquei, ele bradou um: sem solução. Era o fim dele, e o começo do meu tormento. Me culpei o dia todo. Agora, 12 horas depois, ainda escuto o barulho daquele que não foi. Morreu sem nome de batismo, mas com nome de velório. Como explicar no emprego que a falta se deu pelo velório do gato desconhecido que adormeceu na roda do carro e foi atropelado logo em seguida? Isso era o menor problema frente ao incômodo da dor. Era cedo quando começou o fim do dia.
LG

domingo, 24 de novembro de 2013

.Glória a minha santa, que trouxe um amor gostoso, com fogo, só meu.



Mas isso não dói? Perguntei olhando a compulsão frenética com que ela retirava com a pinça os pelos, um a um, da virilha. Não. Respondeu rápida e convicta. Fiz que acreditei, mas a cada puxada uma gotícula de sangue saltava do ponto onde antes era um pelo. Você se incomoda? Não, respondi. Era uma noite de sábado, e lá fora aparentava guardar tanta coisa, tanto por esperar. Enquanto lá dentro, era isso. Uma luz forte, uma pinça inquieta, eu e meu whisky e a Janis cantando Mercedes benz. Confortável. Até poderia dizer que estava sexy o momento, totalmente sexy se não tivesse mais sentimento envolvido. Eu gostava dela com ou sem gotículas, ou loucuras sádicas de puxar, ela por ela mesmo, seus pelos. Era atrevido e envolvente. Terminado ela deixou apagar a luz, acendemos uma luminária, e para meu não espanto, continuamos cada uma em seu mundo, como se no não falar nos entendêssemos. Era assim as noites de sábado e a segunda no almoço, era tudo assim para ser bem realista. Não vai! Era sempre um pedir para ficar, para estar perto. Mesmo que o momento não fosse de total interação, estávamos perto e isso satisfazia. Alfred gostava dela de uma maneira inacreditável. Dizia: Senhora, ela é rosada, de tão branca. Tem o cabelo dourado, os passos leves, sorri, grita quando nervosa, é uma mulher com todos seus atributos. E eu ouvia com satisfação, era mesmo uma senhora. Não me largava mais, não por vontade própria. Eu a acorrentava a mim de maneira singular e ridícula. Não era necessário fingir que precisava dela ali, porque precisava mesmo. Ficava distante pouquíssimas horas no dia, o suficiente. E quando estávamos juntas era para criar contos como esse, sua presença não me devorava. Vice e versa. Não minava meu eu. Era para dar certo, como todos os outros, mas era significativamente diferente, ela era rosa. Branca como a palidez sempre desejada, e seus guardados, seus íntimos, mas rosa que a rosa que leva o nome. Era lindo, límpido e o necessário para dar a cara a tapa, para sofrer de amor depois, para superar qualquer pinçada nos pelos mais resistentes. Não era uma dor, era um alívio. Era dupla de As em uma mesa verde. Ela era um delírio. Era um trunfo. E gostava de comida japonesa, meu deus. Gemia, como poucas. Era sexy, envolvente, ROSA, alegre, disposta, meu deus. Foi quando apagou a luz forte, ligou uma luminária amarela, envelheceu todo o ambiente. Deu simetria a sala, aos livros e as almofadas xadrez que pareciam ter parado no tempo. De acordo com o jeito que se mexia, a camisa cortada por ela, revelava ora um seio ora outro. Era um alternar de imagens maravilhosamente iluminado. Foi encher o copo, era mais whisky, chegou me servindo e derramando tudo, como se não ligasse, mas ligava, e estava rosamente alterada. Derramava para limpar, eu bem sabia. Fazia incredulidades com a língua. Mais rosada! Eu me derretia nisso. Poderia fazer tudo que ela pedisse apenas pela cor, era um deleite incrível. Eu que não erguia a mão, amava, preste atenção nisso, amava, dar aqueles tapinhas que realçam um vermelho que está ali. E logo seu rosto branco corava, e ela ria. Outro gozo. E o apelido: monstra! Ela dizia: monstra, posso trocar a música? Até assim era doce, eu não era seu bem, sua vida, seu amor, eu era sua monstra. Era realista por demais. Um gozo. Já não dormíamos mais espaçosas, nos espremíamos, ligavamos o ar para compensar. Mas era um espremer sem fim. Eu daria a ela meu sobrenome, e tudo que ela pedisse. Estava, sem dúvida, morrendo de amor. Li o texto pra ela. Ela disse: muito bom. Não sei se por gentileza ou por estar seriamente alterada. Rosa.
Lg

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

.Quem vibrou nas minhas mãos não vai me largar assim.



Lembro muito bem que antigamente eu ligava, hoje não ligo mais. Se eles falam de mim que eu sou diferente, eu falo deles porque são iguais.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

.Parecia inofensiva mas te dominou.



Um amor assim delicado, você pega e despreza. Não devia ter despertado, ajoelha e não reza. Dessa coisa que mete medo, pela sua grandeza. Não sou o único culpado, disso eu tenho a certeza. Princesa, surpresa, você me arrasou! Serpente, nem sente que me envenenou? Senhora, e agora, me diga onde eu vou? Senhora, serpente, princesa. Um amor assim violento, quando torna-se mágoa. É o avesso de um sentimento, oceano sem água. Ondas, desejos de vingança. Nessa desnatureza. Batem forte sem esperança, contra a tua dureza. Princesa, surpresa, você me arrasou! Um amor assim delicado, nenhum homem daria. Talvez tenha sido pecado, apostar na alegria. Você pensa que eu tenho tudo, e vazio me deixa. E eu te grito esta queixa: Princesa, surpresa, você me arrasou, serpente, nem sente que me envenenou? Senhora, e agora, me diga onde eu vou?

.Uma mulher distinta e que já não é jovem.



Eu quero me esconder debaixo, dessa sua saia pra fugir do mundo. Pretendo também me embrenhar no emaranhado desses seus cabelos. Preciso transfundir teu sangue, pro meu coração, que é tão vagabundo. Me deixe te trazer num dengo, pra num cafuné fazer os meus apelos! Eu quero ser exorcizado, pela água benta desse olhar infindo. Que bom é ser fotografado, mas pelas retinas dos seus olhos lindos. Me deixe hipnotizado pra acabar de vez com essa disritmia.