segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

.Porque fui mais amante que amiga.

Na hora da minha morte
estarão ao meu lado mais homens
infinitamente mais homens que mulheres
E um deles, dirá um poema sinistro
a jeito de balada em tom menor...
Tem tanto medo da terra
a moça que hoje se enterra
Fez poemas, fez soneto
muito mais meus do que dela.
Lá lá ri, lá lá lá lá

Hilda Hilst

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

.Feliz Natal.



Todas as religiões são a mesma coisa: a religião se resume em culpa e medo, com feriados diferentes e uma dose de desinteligência.


O fato de um crente ser mais feliz que um cético não quer dizer muito mais que o fato de um homem bêbado ser mais feliz que um sóbrio.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

.Filosofia é isso.

Quanto menos se come, bebe, lê livros e vai ao teatro, pensa, ama, teoriza, canta, sofre, pratica esportes, etc., mais economiza e mais cresce o teu capital.
Você é menos, mas tem mais.
Assim todas as paixões e atividades são tragadas pela cobiça.

domingo, 21 de dezembro de 2008

.Fora de sentido.


É humano querer o que nos é preciso, e é humano desejar o que não nos é preciso, mas é para nós desejável. O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se sofresse por não ter pão. O mal romântico é este: é querer a lua como se houvesse maneira de a obter.

.Sem desespero e sem desgosto.

Daquele dia quando me perguntaram o que eu era, ou o que me tornaria. Certamente não sei. Entretanto era de gosto deles que eu não soubesse. Mas caso viesse a réplica, gostaria de perguntar:


- O que você será quando eu for?
Lg

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

.Malditos, gozosos e devotos.



Se eu te entendesse estaria agarrada à lucidez mas estaria louca, livre como tu mas louca.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

.Ataque brilhante.



Santo Agostinho disse de forma bem clara:


“Existe outras formas de atenção, ainda mais cheia de perigo. É a doença da curiosidade. É ela que nos leva a tentar descobrir os segredos da natureza, segredos que estão além de nossa compreensão, que nada nos podem dar e que nenhum homem deveria descobrir”.


Se vocês não entendem como uma coisa funciona, não tem problema: simplesmente desistam e digam que Deus a criou. Vocês não sabem como o impulso nervoso funciona? Tudo bem! Não entendem como as lembranças são depositadas no cérebro? Excelente! A fotossíntese é um processo desconcertantemente complexo? Maravilha!


Por favor não saiam trabalhando em cima do problema, apenas desistam e apelem a deus.

.Tão geladas as pernas e os braços.

Fazia frio, nem tanto frio, mais umidade entrando pelo pano das roupas, pela sola fina esburacada dos sapatos. Fumaríamos e beberíamos sem medidas, haveria música, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim. Ducha morna distendendo meus músculos. Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o nariz começava a escorrer.

.Arte não é produto de mercado.



A massificação procura baixar a qualidade artística para a altura do gosto médio. Em arte, o gosto médio é mais prejudicial do que o mau gosto... Nunca vi um gênio com gosto médio.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

.As lacunas diminuem.

Um dos efeitos verdadeiramente negativos da religião é que ela nos ensina que é uma virtude satisfazer-se com o
não-entedimento.

.Não ganho dinheiro nem para meu sustento.


Antes de morrer eu queria ser consumida, queria ver as pessoas lerem, porque não tem cabimento escrever a vida inteira para ninguém ler (...). De uma forma ou de outra, eu quero ficar no coração do outro. Escrevo porque tenho a intenção de permanecer, mas sei que sou transitória, efêmera, hóspede das coisas, de tudo.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

.Não é necessário sair de casa.

De um certo ponto adiante não há mais retorno.Esse é o ponto que deve ser alcançado.

.Da educação.

A educação não faz as almas. exercita-as. E o exercício moral não vem das belas palavras de virtude, mas do atrito com as circunstâncias. A energia para afrontá-las é a herança de sangue dos capazes de moralidade, felizes na loteria do destino. Os deserdados abatem-se.

.Contemporânea.



As mulheres sempre souberam o que quiseram. Os homens é que realmente não sabem. Eles acham que sabem, mas não sabem.

As mulheres acham que não sabem, mas sabem.

domingo, 14 de dezembro de 2008

.De pensar assim me desvalendo.

Ficamos sem saber o que era João e se João existiu de se pegar

.Mas não tens gula de festa, nem orgulho.



O próprio ano novo tarda. E com ele as amadas.
No festim solitário teus dons se aguçam.
És espiritual e dançarino e fluido,
mas ninguém virá aqui saber como amas
com fervor de diamante e delicadeza de alva,
como, por tua mão a cabana se faz lua.

.Falam por mim.

E falam as flores que tanto amas quando pisadas,
falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria,
falam a mesa, os botões,os instrumentos do ofício
e as mil coisas aparentemente fechadas,
cada troço,
cada objeto do sótão,
quanto mais obscuros mais falam.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

.Quase que eu fiz um soneto.


Ria alto,

falava alto,

como se me avisasse;

eu continuava surdo,

a sós comigo

e o meu desprezo.


quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

.DO GROTESCO.


Ai, o mundo. Ai, eu.
Olhe aqui, não fale tanto em si mesmo agora, porque o certo no nosso tempo é abolir o eu, entendes?

.Nunca fui senão uma coisa híbrida, metade céu, metade terra.

Velho louco, diz aquele teu poema.
Digo: Reses, ruídos vãos/ vertigem sobre as pastagens/ ai que dor, que dor tamanha/ de ter plumagens, de ser bifronte/ ai que reveses, que solidões/ ai minha garganta de antanho/ minha garganta de estanho/ garganta de barbatanas e humana/ ai que triste garganta agônica.

Também não precisa chorar, anão, sim, compreendo, eu mesmo estou chorando, era bonito cantar, trovar, mas bem que diziam: tempo não é, senhores, de inocência, nem de ternuras vãs, nem de cantigas, diziam e eu não sabia que a coisa ia ser comigo...

.E rasgam o silêncio.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

.Virginia Woolf.

Agora que o sonho se dissolveu fiquei a tremer no corredor. As coisas parecem empalidecer. Vou à biblioteca procurar um livro qualquer, ler e olhar em volta; ler de novo e depois olhar outra vez. Este poema fala de uma sebe. Vou descer por ela e colher flores de abóbora e de espinheiro cor de luar, rosas bravas e ramos de hera. Vou agarrá-las bem nas minhas mãos e pousá-las no tampo da secretária. Vou sentar-me na margem trémula do rio a olhar os grandes nenúfares brilhantes que espalham sobre o carvalho que domina a sebe a sua luz húmida como um raio lunar. Vou colher flores, entrançá-las numa grinalda e oferecê-las. - Oh, a quem? Surge um obstáculo no fluxo do meu ser; o rio profundo esbarra em qualquer coisa; empurra; puxa; no centro há um nó que não cede. Ah, esta dor, esta angústia. Desfaleço, perco a consciência. Agora, o meu corpo funde-se; estou liberta, incandescente. Agora, o rio espande-se numa imensa maré fértil, rompendo os diques, insinuando-se à força nas fendas, inundando livremente a terra. A quem darei tudo o que flui através de mim, através da argila tépida e porosa do meu corpo? Vou fazer uma grinalda com as minhas flores e oferecê-la - Oh, mas a quem? No paredão vagueiam marinheiros e pares de amantes; os autocarros arfam ao passar no cais a caminho da cidade. Quero dar; quero enriquecer alguém; quero devolver ao mundo toda esta beleza. Enlaçar as minhas flores numa única grinalda e avançar com ela na mão estendida, oferecendo-a - Oh, mas a quem?

.Faça não.



Eu já deveria ter me curado da minha RIDÍCULA obsessão pelo amor.

.Que ele é um pote até aqui de mágoa.

Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

.Vulgo de homem calado e metido consigo.

.Futuros amantes se amarão sem saber.



Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvíos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

.Suporta-se com paciência a cólica dos outros.


Lágrimas não são argumentos.

.Memórias Póstumas de Brás Cubas.





Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

.Eu bebo um pouquinho pra ter argumento.

Hoje não passa de um dia perdido no tempo
E fico longe de tudo o que sei,
Não se fala mais nisso.
Eu sei, eu serei pra você
O que não me importa saber,
Hoje não passo de um vaso
Quebrado no peito
E grito:
Olha o beijo partido.
Onde estará a rainha
Que a lucidez escondeu.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

. Dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos.

Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...

.Férias.


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

.Depois que eu me encontrar.

Foto: Suelen Folego



Não se pode falar de silêncio como se fala de neve. Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: Sentiu o silêncio desta noite ? Quem ouviu não diz.

.Infindáveis.


Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar.

.Crença no amor dos Homens.

Joga fora todos os medos de preconceitos servis, sob os quais as mentes dos fracos se curvam. Coloca a razão firmemente no trono dela, e apela ao tribunal dela para todos os fatos, todas as opiniões. Questiona com coragem até a existência de deus, porque, se houver um, ele deve aprovar mais o respeito à razão que o medo cego.

.Canta denovo o trovador.


A merencória à luz da lua
Toda canção do seu amor
Quero ver essa dona caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

.É um misterio profundo, é o queira ou não queira.

Estranho, sim. As pessoas ficam desconfiadas, ambíguas diante dos apaixonados. Aproximam-se deles, dizem coisas amáveis, mas guardam certa distância, não invadem o casulo imantado que envolve os amantes e que pode explodir como um terreno minado, muita cautela ao pisar nesse terreno. Com sua disciplina indisciplinada, os amantes são seres diferentes e o ser diferente é excluído porque vira desafio, ameaça.

sábado, 29 de novembro de 2008

.Schopenhauer.


A arte de não ler é muito importante. Consiste em não sentir interesse algum por aquilo que está a atrair a atenção do público numa determinada altura. Quando um panfleto político ou eclesiástico, um romance ou um poema estão a causar grande sensação, não devemos esquecer-nos de que quem escreve para tolos tem sempre grande público. Uma condição prévia para ler bons livros é não ler os maus: a nossa vida é curta.


Arthur Schopenhauer, in ‘Aforismos’

.Não tenho mais os olhos de menina.

Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua, e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

.Sua paixão é uma doença mesmo, uma doença total.





Se tens um inimigo,

deseja-lhe

uma paixão.


.Embora mintas bem, não te acredito.

É só uma hora, quando é mais, a gente ganha mais dinheiro, mas não é todo mundo que tem tanto dinheiro assim pra lamber. O moço falou que quando ele voltar vai trazer umas meias furadinhas pretas pra eu botar. Ele quis também que eu voltasse pra cama outra vez, mas já tinha passado uma hora e tem uma campainha quando a gente fica mais de uma hora no quarto.
Trecho de O Caderno Rosa de Lori Lamby
Hilda Hilst

.Modernidade.



A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo.
Para ser popular é indispensável ser medíocre.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

.Põe aquela sua camisa que eu detesto.


Uma ocasião,

meu pai pintou a casa toda

de alaranjado brilhante.

Por muito tempo moramos numa casa,

como ele mesmo dizia,

constantemente amanhecendo.


.Do bem e do mal.

“No fundo, não há bons nem maus.
Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem e os que sentem prazer em fazer o mal.
Tudo é volúpia…”
quando, ainda menino, briguei ainda uma vez para sempre com adalgisa,
não fui olhar a saída da missa de domingo,
como era costume naqueles ingênuos e queridos tempos,
e fui passear pela rua da sua casa,
ver a placa da esquina,
despertar o costumeiro revôo dos pombos na calçada.
não esqueci nada, nada daquilo…
tudo tão cheio da ausência dela!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

.Só melhoro quando chove.

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso, com trovoada e clarões, exatamente como chove agora. Quando se pôde abrir as janelas, as poças tremiam com os últimos pingos. Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema, decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos. Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, trinta anos depois. Não encontrei minha mãe. A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha, com sombrinha infantil e coxas à mostra. Meus filhos me repudiaram envergonhados, meu marido ficou triste até a morte, eu fiquei doida no encalço.

.The road to...

As coisas que não conseguem ser olvidadas continuam acontecendo.

.Não existe amor minúsculo.

E quanto ao amor? Ah, o amor…
não basta termos alguém com quem podemos conversar,
dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando.
Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo.
Queremos estar visceralmente apaixonados,
queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados,
queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo,
queremos sexo selvagem e diário,
queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É o que dá ver tanta televisão.

.Eu passarinho!


Minha vida não foi um romance…
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro …
De surpresa … de encanto … de medo …
Minha vida não foi um romance …
Minha vida passou por passar.
Se não me amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance …
Pobre vida … passou sem enredo …
Glória a ti que me enches de vida
De surpresa … de encanto …de medo …
Minha vida não foi um romance …
Ai de mim … Já se ia acabar !
Pobre vida que toda depende
De um sorriso … de um gesto … um olhar …

.Dorme que a noite já vem.

Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isso não tem importância. O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.

.Olhando a chuva que, aos poucos começa a passar.

Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele(...)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

.Mas onde reside o perigo?.



Era flexível como o couro, sólida como o aço, fria como a noite.

.Hesitei, mas fiquei.

Mas daquelas velhas coisas, sobre as quais a poeira punha mais antiguidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz. Aquela pureza da louça, a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele seu fosco brilho de luar, diziam-me a mim que aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança, a sonhar, para encanto dos olhos fatigados dos velhos desiludidos...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

.Amado.



O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

.Mau.



Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

.Mal-Amados.

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

sábado, 22 de novembro de 2008

.Como se a simplicidade se permitisse embriagar.

Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamentamente.

.Clarice morreu de câncer, um dia antes de completar 57.


Com um estremecimento, largo essa felicidade que não é minha e encontro-me, escrevendo. As janelas estão fechadas.
Meia-noite.
Nenhum rumor na casa deserta.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

.Capitu.


Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da rua de Matacavalos, o mês novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas da minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas.

.Outro caminho.

Aqui sentado à mesa da sala de jantar, fumando cachimbo e bebendo café, suspendo às vezes o trabalho moroso, olho a folhagem das laranjeiras que a noite enegrece, digo a mim mesmo que esta pena é um objeto pesado. Não estou acostumado a pensar.

.Calculem.



Mas o otimismo levou água na fervura, compreendi que não nos entendiamos.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

.Colada à tua boca a minha desordem.

Como me sinto? Como se colocassem dois olhos sobre uma mesa e dissessem a mim , a mim que sou cego : isso é aquilo que vê , essa é a matéria que vê . Toco os dois olhos sobre a mesa , lisos , tépidos ainda , arrancaram há pouco, gelatinosos , mas não vejo o ver . É assim o que sinto tentando materializar na narrativa a convulsão do meu espírito , e desbocado e cruel , manchado de tintas , essas pardas escuras do não saber dizer , tento amputado conhecer o passo , cego conhecer a luz , ausente de braços tento te abraçar.

.Ama-me, é tempo ainda.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

.Complexidade dos fenômenos.

No rio das contradições, em que rola a multidão de sábios e pensadores, e lança às margens sistemas e teorias, as certezas aparecem às vezes para desaparecerem, depois de se fixarem no espírito dos homens.

.Princípios de Sociologia.

“É preciso de fato, pôr-nos de guarda contra as conclusões prematuras, mantendo uma reserva sistemática, em presença de afirmações, e constante vigilância contra toda a série de pré-supostos e idéias feitas, com que tanto se tem amesquinhado a sociologia e estreitado a esfera do pensamento e dos métodos científicos no estudo dos problemas sociais”

Vamos problematizar que esse é o nosso papel. Estou farta de muitas coisas no âmbito universitário, mas existe um ponto em especial que não posso deixado de lado. Infelizmente a mentalidade e a ação dos pseudo-cientistas sociais da UEL (que por sinal estão em formação) foi adotar uma medida, um costume de: quando questionados por uma temática qualquer, afirmar que o que está em pauta "Fulano" já respondeu há tempos. Apenas o que posso dizer é que tal situação é deprimente, dá raiva (para não dizer a palavra que gostaria), dentre essa pequenez (meninice e insignificância) digo que o meu ponto de vista sobre pessoas desse jeito é de total desconfiança da sua bagagem intelectual (se é que eles possuem alguma). Está na hora de parar a reprodução dos manuais, pois quem tem a perder somos nós, apenas nós...e claro, a sociedade que nos paga para reproduzir a sociologia enlatada.

lg

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

.Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu.

Eu me consideraria o mais ditoso dos mortais se pudesse fazer com que os homens se curassem dos seus preconceitos. Chamo de preconceitos não o que nos faz ignorar certas coisas, mas o que nos leva à ignorância de nós mesmos.

L’ esprit des lois, prefácio

.Boom, Boom...Boom.


Não vamos ser ingênuos de imaginar que a hegemonia norte-americana é perene. Não nos iludamos. A soberania holandesa declinou, a soberania alemã declinou, a soberania do estado czarista declinou, a soberania dos Estados Unidos vai declinar. Isso é um dado da história. Tudo é histórico. Então, não há por que nós nos impressionarmos com o fato de que, de repente, um maluco resolveu mostrar que os Estados Unidos são vulneráveis. Isso não tem nada demais, é um dado da história. Caiu a Bastilha, caiu o Muro de Berlim, caíram as torres gêmeas do World Trade Center.