sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Desbravando meu peito sem fronteira.


Insistia o pingo, no rumo da cabeça, em gotejar no forro branco. Mandei chamar os pedreiros, era problema grande, coisa de mandar refazer. Vieram alguns, disseram resolver o incômodo, mas na mesma noite o pingo continuou, piorou com o tempo, vazava mais. Acendi a luz em meio à tempestade e dei conta daquele cordão branco que escorria pela parede, era a chuva alcançando a cama, molhando as cobertas, inundando o quarto. Chovia de botar medo. Era a tempestade de Esteva. Afastei o berço, cobri a criança apavorada. Helena tinha os gritos abafados com o barulho dos pingos de encontro a janela. O dilúvio era enorme, dentro e fora. Acendi a luminária e busquei um conto que entre o pavor e a ilusão fizesse tampar o instante caótico, Helena ria com o compassar da voz, esquecera da tempestade por minutos, prendeu-se na história. Vez ou outra escorregava os dedinhos no cordão de água que pendia do telhado parede a fora. Chovia sem que o balde pudesse evitar a goteira. E não havia nada a fazer, sem solução era prudente desejar que parasse. Foi quando a chuva parou, esgotaram-se as tempestades do ano e dos seguintes, era tempo de calmaria, calor, sol e casas ventiladas. Entretanto, para o desconforto e forçado contentamento, o cordão de água escorria, todas as noites, na parede do meu quarto.

LG

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

.Talvez fosse um enigma para levar a um resultado óbvio, depois de tanto quebrar a cabeça.


A casa estava cheirosa, fui entrando. Alfred lavava a louça todo compenetrado. Quando me viu não entendeu nada, teve ainda que olhar mais uma, e outra, e olhar novamente para confirmar. – Senhora, cortou o cabelo bem ousado, não acha? Não! Respondi e segui. Era um dia de pouca conversa. Escutei o barulho da louça, Alfred quebrou um copo. Achou estranho que não fui ver, ou reclamar do acontecido. De certo o dia não estava agradável. Escutei bater a porta e pedi que entrasse, se aproximou complacente, com boas intenções, com aquela cara que as pessoas fazem quando vão ao seu encontro para lhe desejar feliz aniversário. Encostou na cama e disse: ficou muito bonito senhora, acredite, o ousado foi para qualificar. Prosseguiu. É bom ser ousado ultimamente. Tentou sorrir, como se me alegrasse. De fato entre mulheres e cabelo existe uma relação estranha, quase um casamento. Esqueceu da louça e do que fazer e iniciou o que parecia ser um discurso para me consolar. Eu sei senhora que está aqui reservada não pelo corte, que ficou ótimo, mas porque esperava mostrar pra ela. Mas espere, as coisas não são assim, ela verá, quando quiser ver. Isso era verdade. O fato era que não quis ver. Todo aquele tempo perdido com pomadas para cabelo e um pentiadinho havia sido desnecessário, analisando friamente foi um erro. Era uma resignação. Quando Alfred Já se levantava parou para arriscar poucas palavras: - Senhora, pessoas demostram sentimento de maneiras diferentes, não são todos líricos e cheio de rodeios como nós, as pessoas são mais frias no demonstrar, mas isso não significa que não gostaram, ou gostariam de estar aqui. Tente se animar, coloque uma roupa e dê uma volta. Não desperdice o modelador do seu corte e coloque o sorriso no rosto. Pessoas você compreende com o tempo. Disse isso, se levantou, e continuou com os barulhos na cozinha. Alfred me compreendia, jamais o deixaria partir.

LG

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

.Sorrir.


No dia que julgava tristeza eu era pequena e não sabia. Todo escritor, seja grande ou invisível, fita com a aflição. É a ênfase no sofrimento. Entretanto, desde aquela flor azul os rumos entortaram, seguiram para outro vale, e certamente ali seria feliz. Ou parecia que poderia ser feliz. Era um presságio. Somos tentados a duvidar das coisas, depois de uma série de acontecimentos, nem tão fúteis, nem tão singelos, tampouco banais, somos tentados... Depois pensara que não se deseja nada, felicidade é uma abstração frustrante, como um projeto de perder peso. Mas o encantamento, esse não se nega e, quem sabe, um dia ele bate a porta da Felicidade e adentra no cômodo ilusório do Amor. Desde que fizera alguns aniversários foi fácil perceber que pessoas são envolventes (cada um a sua maneira) e que nos agrega (cada um com seu potencial), um aprendizado distinto. Eu havia aprendido muitas coisas, mas aprendizado sempre é pouco. O corpo envelhece, a vida passa, com sorte a mente continua ativa, se fortalecendo, se abrilhantando. As emoções, essas difíceis de esconder, vão aos poucos sorrindo sem necessidade, sorrindo com necessidade, buscando sorrir. É a tentativa do ser feliz. Arriscando um contato, um afeto, quem sabe um Amor.

LG