sábado, 28 de julho de 2007

Exijo respeito, não sou mais um sonhador.


E se esse frio não chegasse ao coração simplesmente não notaria os arrepios. Mas ele chega. Se pelo menos com essa velhice viesse às rugas, mas elas não vêm. Meramente uma velhice psicológica, a mesma que tranca pessoas em apartamentos. De súbito a vontade de ler um livro, vontade interrompida minutos depois com a desculpa de achar um agasalho. Sem agasalho e já com outras vontades agora procura fixar-se a qualquer coisa, escrever para não fazer esquisitice pior, uma boa saída talvez. Dos convites recebidos ao longo do dia que garantiria a noite um tom de anormalidade frente a essa rotina que se segue, lembra-se que o ato de repelir todos provoca, só agora, um pavor e até certa fadiga. Tudo bem que não queria aceitar, entretanto não queria isso. Na verdade agüentar a solidão dói.

lg

Eu quero ir, minha gente...


...eu não sou daqui, eu não tenho nada, quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada.

sábado, 21 de julho de 2007

Saudade

E quanto mais a minha produção fica escassa, do tempo que eu gasto com os outros e não comigo, das frases que eu digo a eles e não a mim, questiono os motivos pelos quais meus movimentos escolheram esse exílio literário. Certa vez aprendi de forma indireta que nada melhor do que o ócio para fazer florescer em nossas idéias indagações que geram poemas, musicalidade, coisas belas e afortunadas. Certa vez aprendi e esqueci com o tempo.
lg

terça-feira, 17 de julho de 2007

Bugio Moqueado


E naqueles olhos de desvario li o mais pungente grito de socorro que jamais a aflição humana calou...“O milagre não veio — infame que fui! — e aquele lampejo de esperança, o derradeiro talvez que lhe brilhou nos olhos, apagou-se num lancinante cerrar de pálpebras.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

ALEGRIA DE ESTAR COM VOCÊ

Ói nós aqui, Ói nós aqui,
Hollywood fica ali bem perto,
só não vê quem tem um olho aberto
Ói nós aqui, Ói nós aqui,
Hollywood é um sonho de cenário,
Vi um pau-de-arara milionário
E eu que nem sonhava conhecer o tal Recife,
Pobre saltimbanco trapalhão.
Hoje sou mocinho, sou vizinho do xerife,
dou rabo-de-arraia em tubarão
Ói nós aqui, Ói nós aqui,
Tem de tudo nessa Hollywood,
Vi um índio cheio de saúde
Ói nós aqui, Ói nós aqui,
How do you do?
Caruaru, I wanna see piripipi. Ói nós aqui
Ói nós aqui, Ói nós aqui,
Camelôs, malucos e engraxates,
Aproveitem enquanto o sonho é grátis
Quem há de negar que é bom dançar, que a vida é bela,
neste fabuloso Xanadu.
Eu só tenho medo de amanhã cair da tela
e acordar na casa do Bubu
Ói nós aqui, Ói nós aqui,
How do you do?
Banabuiú, I wanna buy o Paraguai.
Hollywood and me
Ói nós aqui (vixe!)

quinta-feira, 12 de julho de 2007

O SOLDADO JACOB


Não lhes farei uma crônica de Paris, porque, enfastiado de rumor e movimento, tranquei-me no meu simples aposento de estudante e lá fiquei durante duas semanas. É verdade que esse tempo foi bastante para cair um ministério e subir outro. Mas, quer a queda, quer a subida, nada têm de interessante. Assim, limito-me a contar-lhes uma visita que fiz ao Hospital da "Charité", da qual me ficou pungente recordação.
O Hospital da "Charité" é dirigido pelo célebre psiquiatra Dr. Luys, cujos estudos recentes sobre o magnetismo, tanta discussão têm provocado. De fato, o ilustre médico tem ressuscitado, com o patrocínio do seu alto valor científico, teorias que pareciam definitivamente sepultadas. Não é delas, porém, que lhes quero falar.
Havia no hospital, há vinte e três anos, um velho soldado maníaco, que eu, como todos os médicos que freqüentam o estabelecimento, conhecia bastante. Era um tipo alto, moreno, anguloso, de longos cabelos brancos. O que tornava extraordinária a sua fisionomia era o contraste entre a tez carregada, os dentes e os cabelos alvíssimos, de um branco de neve imaculada, e os indescritíveis olhos em fogo, ardentes, e profundos. A neve daqueles fios alvos derramados sobre os ombros e o calor daqueles olhos que porejavam brasas atraíam, invencíveis, a atenção para o rosto do velho.
Havia, porém, outra cousa para prendê-la mais. Constantemente, um gesto brusco e mecânico, andando ou parado, os seus braços encolhiam-se e estendiam-se, nervosos, repetindo alguma cousa que parecia constantemente querer cair para cima dele. Era um movimento de máquina, um solavanco rítmico de pistão, contraindo-se e distendendo-se, regular e automaticamente. Sentia-se bem, à mais simples inspeção, que o velho tinha diante de si um fantasma qualquer, qualquer, alucinação do seu cérebro demente - e forcejava por afastá-la. Às vezes quando os seus gestos eram mais bruscos, o rosto assumia um paroxismo tal de pavor, que ninguém se furtava à impressão terrificante de tal cena. Os cabelos ouriçavam-se sobre a sua cabeça (era um fenômeno tão francamente visível, que nós o seguíamos com os olhos) e de todas as rugas daquele rosto amorenado desprendia-se um tal influxo de pavor e a face lhe tremia de tal sorte, que, na sua passagem, bruscamente, fazia-se um silêncio de morte.
Os que entram pela primeira vez em uma clínica de moléstias mentais têm a pergunta fácil. Vendo fisionomias estranhas e curiosas, tiques e manias que julgam raras, multiplicam as interrogações, querendo tudo saber, tudo indagar. Geralmente as explicações são simples e parecem desarrazoadas. Uma mulher que se expande em longas frases de paixão e arrulha e geme soluços de amor, com grandes atitudes dramáticas, - todos calculam, ao vê-la, que houve talvez, como causa de sua loucura, algum drama pungentíssimo.
Indagado, vem-se a saber que o motivo da sua demência foi alguma queda que interessou o cérebro. E esse simples traumatismo teve a faculdade de desarranjar de um modo tão estranho a máquina intelectual, imprimindo-lhe a mais bizarra das direções.
Assim, os que freqüentam clínicas psiquiátricas por simples necessidade de ofício, esquecem freqüentemente este lado pitoresco das cenas a que assistem e, desde que o doente não lhes toca em estudo, desinteressam-se de multiplicar interrogações a seu respeito. Era isto o que me tinha sucedido, acerca do velho maníaco.
Ele tinha livre trânsito em todo o edifício; era visto a todo instante, ora aqui, ora ali, e ninguém lhe prestava grande atenção. Da sua história nunca me ocorrera indagar cousa alguma.
Uma vez, porém, eu vim a sabê-la involuntariamente.
Nós estávamos no curso. O professor Luys dissertava sobre a conveniência das intervenções cirúrgicas na idiotia e na epilepsia. Na sala estavam três idiotas: dois homens e uma mulher e cinco casos femininos de epilepsia. O ilustre médico discorria com a sua clareza e elevação habituais, prendendo-nos todos à sua palavra.
Nisto, entretanto, o velho maníaco, conseguindo iludir a atenção do porteiro, entrou. No seu gesto habitual de repulsa, cruzou a aula, afastando sempre o imaginário vulto do espectro, que a cada passo lhe parecia embargar o caminho. Houve, porém, um momento em que a sua fisionomia revelou um horror tão profundo, tão medonho, tão pavoroso, que de um arranco as cinco epiléticas ergueram-se do banco, uivando de terror, uivando lugubremente como cães, e logo após atiraram-se por terra, babando, escabujando, entremordendo-se com as bocas brancas de espuma, enquanto os membros, em espasmos, agitavam-se furiosamente.
Foi de uma dificuldade extrema separar aquele grupo demoníaco, de que, sem tê-lo visto, ninguém poderá fazer uma idéia exata.
Só, entretanto, os idiotas, de olhos serenos, acompanhavam tudo, fitando sem expressão o que se passava diante deles.
Um companheiro, ao sairmos nesse dia do curso, contou-me a história do maníaco, chamado em todo o hospital o "soldado Jacob". A história era simplíssima.
Em 1870, por ocasião da guerra franco-prussiana, sucedera-lhe, em uma das pelejas em que entrara, rolar, gravemente ferido, no fundo de um barranco. Caiu sem sentidos, com as pernas dilaceradas e todo o corpo chagado da queda. Caiu, deitado de costas, de frente para o alto, sem poder mover-se. Ao voltar a si, viu, porém, que tinha sobre si um cadáver, que, pela pior das circunstâncias, estava deitado justamente sobre seu corpo, rosto a rosto, frente a frente.
Era a vinte metros ou mais abaixo do nível da estrada. O barranco constituía um extremo afunilado, do qual não havia meio de fugir. Não se podia afastar o defunto. Por força ele havia de descansar ali. Demais, o soldado Jacob, semimorto, não conservava senão o movimento dos braços e esse mesmo muito fraco. O corpo - uma chaga imensa - não lhe obedecia à vontade: jazia inerte.
Como deve ter sido medonha aquela irremissível situação!
Ao princípio, cobrando um pouco de esperança, ele procurou ver se o outro não estaria apenas desmaiado; e sacudiu-o vigorosamente - com o fraco vigor dos seus pobres braços tão feridos. Depois, cansado, não os podendo mais mover, tentou ainda novo esforço, mordendo o soldado caído em plena face. Sentiu, com uma repugnância de nojo sem nome, a carne fria e viscosa do morto - e ficou com a boca cheia de fios grossos da barba do defunto, que se haviam desprendido. Um pânico enorme gelou-lhe então o corpo, ao passo que uma náusea terrível revolvia-lhe o estômago..
Desde esse instante, foi um suplício que não se escreve - nem mesmo, seja qual for a capacidade da imaginação, - se chega a compreender bem! O morto parecia enlaçar-se a ele; parecia abafá-lo com o peso, esmagá-lo debaixo de si, com uma crueldade deliberada. Os olhos vítreos abriam-se sobre os seus olhos, arregalados em uma expressão sem nome. A boca assentava-se sobre a sua boca, num beijo fétido, asqueroso...
Para lutar, ele só tinha um recurso: estender os braços, suspendendo a alguma distância o defunto. Mas os membros cediam ao cansaço e vinham, aos poucos, descendo, descendo, até que de novo as duas caras se tocavam. E o horrível era a duração dessa descida, o tempo que os braços vinham vergando de manso, sem que ele, cada vez sentindo mais a aproximação, pudesse evitá-la! Os olhos do cadáver pareciam ter uma expressão de mofa. Na boca, via-se a língua empastada, entre coalhos negros de sangue, e a boca parecia ter um sorriso hediondo de ironia...
* * *
Quanto durou esta peleja? Poucas horas talvez, para quem as pudesse contar friamente, longe dali. Para ele, foram eternidades.
O cadáver teve, entretanto, tempo de começar a sua decomposição. Da boca, primeiro às gotas e depois em fio, começou a escorrer uma baba esquálida, um líquido infecto e sufocante que molhava a barba, a face e os olhos do soldado, deitado sempre, e cada vez mais forçosamente imóvel, não só pelas feridas, como também pelo terror, de instante em instante mais profundo.
Como o salvaram? Por acaso. A cova em que ele estava era sombria e profunda. Soldados que passavam, suspeitosos de que houvesse ao fundo algum rio, atiraram uma vasilha amarrada a uma corda. Ele sentiu o objeto, puxou-o repetidas vezes, dando sinal da sua presença, e foi salvo.
Nos primeiros dias, durante o tratamento das feridas, pôde contar o suplício horroroso por que passara. Depois, a lembrança persistente da cena encheu-lhe todo o cérebro. Vivia a afastar diante de si o cadáver recalcitrante, que procurava sempre abafá-lo de novo sob o seu peso asqueroso..
* * *
Anteontem, porém, ao entrar no hospital achei o soldado Jacob preso num leito, com a camisola de força, procurando em vão agitar-se, mas com os olhos mais acesos do que nunca - e mais que nunca com a fisionomia contorcida por um terror inonimado e louco.
Acabava de estrangular um velho guarda, apertando-o contra uma parede, com o seu gesto habitual de repulsa. Arrancaram-lhe a vítima das mãos assassinas, inteiramente inerte - morta sem que tivesse podido proferir uma só palavra.