Quanto à Califórnia. Coisa inteiramente inesperada, que me fez muito bem. Eu não andava dormindo bem, mas com a mudança de clima passei a dormir. Andamos uma semana no meio de milionários, hóspedes de um clube gran-fino, onde só os sócios têm direito de se hospedar e... pagar. O clube é cheio de “cabanas” gran-finas; a nossa, abrindo a porta, e descendo uns degraus, dava para uma praiazinha, onde tomei um banho no Pacífico... O clima de San Diego é inacreditavelmente bom, quente e seco, e leve. Los Angeles é quente demais. San Diego é uma beleza. Mas lamento dizer que Los Angeles e Hollywood se parecem demais com Miami. As mesmas casas baixas, o mesmo ar meio devastado e meio bagunça, sem graça. Naturalmente tem ruas de casas lindas. Mas não era como eu pensava. Não se vê muita gente nas ruas, e não vi nas ruas gente elegante, como a gente pensa que por ali devem existir aos montes. Almoçamos com George Murphy (lembram? Um dançarino, meio chatinho, que agora tem 55 anos, e não é mais ator, trabalha na Metro como “executive”), e é muito simpático para conversar. Nesse almoço estavam, entre outros importantes que não conheço, Ann Miller que é bem simpática, ao contrário do que eu pensava; miss Suécia do ano passado, tentando cinema; ela é tão incrivelmente linda, com um corpo tão espetacular, que o pessoal brasileiro presente apelidou-a de “a que não existe”; estava também a miss América, que foi miss Universo, em 1953, se não me engano. Essa, por Deus, apenas muito bonitinha e suave, ninguém imaginaria, conhecendo-a, que mereceria prêmio; passa quase desapercebida. Depois do almoço, que “aconteceu” no Beverly Hills Hotel, fomos aos estúdios da Metro, onde vimos... Danny Kaye ser filmado, e onde apertamo-lhes a mão. Ele é uma uva, tão atraente como no cinema. (que digo! Muito mais ainda), e muito engraçado e inteligente. Vimos também Peter Lawford ser filmado, bonito e chato. Por mais que eu soubesse como era feita a filmagem, fiquei desiludida. A coisa é feita entre chateações e repetições, exige uma paciência canina dos atores, e é feita por assim dizer sem o menor entusiasmo por parte deles. Tem um ar de pura rotina. Pelo menos o que eu vi. Nos estúdios há ruas inteiras de cenário para cowboy, numa rua está simplesmente a casa de “O Vento Levou”, numa outra a piscina que foi construída para Esther Williams. Vimos o cenário para “Os Irmãos Karamazov”, (lindo, exato, com neve falsa, árvores de matéria plástica tão perfeitas que só faltam dar fruto, rochas de matéria plástica, mas a pessoa só falta sentir frio lá, de tão cuidado), mas, para a minha profunda mágoa, Yul Brinner, astro do filme, estava nesse dia filmando fora do estúdio. Quando fomos entrando no estúdio, ao portão, havia as garotas que passam horas ali na esperança de um artista entrar para dar autógrafo. Quando saltamos do carro, elas correram para mim e me pediram autógrafo... (é que o carro era de luxo). Disse-lhes com gentileza que eu era “nobody” e que guardassem o livrinho para outra pessoa. Devo dizer a vocês que, nessa semana da Califórnia, com almoços e jantares tipo banquete, diariamente, eu estava sempre muito bem, em matéria de roupa. Antes de tomar o avião de volta para Washington, fomos tomar um drinque com... Conrad Hilton. Acho até graça em tanta riqueza. Foi a casa mais rica e maior que já vi. Os portões, se alguém tentar atravessá-los sem ter sido “chamado”, eletrocutam a pessoa... O Hilton não me agradou, e eu gostaria de ter aquela casa – pois assim a venderia e ficaria com o dinheiro, pois é antipática, com livros comprados a metro. Ele disse com muito orgulho que comprou a casa tal qual estava, com a mobília e a decoração igualzinha (nem a vaidade de fazer a casa a gosto dele, ele tem, naturalmente porque não tem gosto dele). Bem, saindo de lá nós íamos jantar rapidamente no aeroporto, mas um brasileiro de Los Angeles achou que bem podíamos jantar bem depressa no Beverly Hilton Hotel, onde ele conhecia o “maitre d’hotel” que apressaria tudo. Este, ao saber que tínhamos que pegar o avião, disse: deixe então o menu por minha conta. Éramos oito pessoas na mesa, e tudo correu mesmo rápido e perfeito: um peixe muito bom, um filé, café e um sorvetezinho; em quinze ou vinte minutos tínhamos engolido tudo. Então veio a conta: cento e seis dólares... A surpresa foi enorme. O embaixador ainda deixou quinze dólares de gorjeta. Então o secretário particular do embaixador disse: estamos pagando aqui ao Conrad Hilton o drinquezinho que ele nos ofereceu na casa dele. Quase perdemos o avião, mas o dinheiro não fui eu que perdi. Então demos um pulinho ao... México, cuja fronteira fica a meia hora. É uma cidadezinha que não tem valor como representante do México, feita apenas para turista, nada interessante, tem-se a impressão de estar em terra de ninguém. Ficamos lá menos de uma hora, e voltamos. Mas deu tempo de eu comprar um cinto de cobre, fico parecendo cavalo em parada ou circo. Há cerca de duas horas estou escrevendo. Na próxima carta escreverei sobre as crianças, sobre o “camping” de Pedrinho, gracinhas dos dois. A Clarissa está esperando criança. Mais novidades eu me lembrarei aos pouco e escreverei na próxima. Com amor. Clarice.
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
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5 comentários:
Como sempre as cartas continuam muito divertidas Clarice, passar informação dessa maneira deveria ser domínio de todos. Pena que não.
'Disse-lhes com gentileza que eu era “nobody” e que guardassem o livrinho para outra pessoa.'
Cara Clarice, não saia por ai dizendo que é ninguém, quem sabe esses americanos acreditam. Concordo com você caso o “ninguém” tenha sido usado para expressar: (não sou nada que vocês estão esperando, guardem seus caderninhos). Digo isso porque eles esperavam pouco e apareceu muito.Guarde sua tinta para nós.
Fiquei sabendo que você tem três livros da Clarice que a Rocco publicou, o correio feminino, as cartas e outro que me falha o nome. Eu sei que essas coisas não se pede, ainda mais a você e muito mais quando envolve a Clarice. Maaaaaassss e essea conjunção adversativa é gigaaaante, você poderia me emprestar um? Prometo que ficaria em minha pose por poucos dias. Exagero o meu né? Faço essa cerimônia porque a senhorita é exagerada. E muito. Linda carta escolhida por você. Quase que semre coisas lindas por aqui. Esse endereço me anima sempre quando o procuro nos favoritos e aguardo que ele carregue. Adoro você menininha. Estou feliz por duas semanas de aula já estarem viradas no calendário e seu animo ainda se encontra igual ao do priméiro dia. Beijos e até breve.
Fiquei com dó do rico, Clarice fez com que eu ficasse, parece que ele era sozinho e por isso escondia a tristeza atrás dos cifrões. Obrigada pelo comentário que você deixou no meu blog. Sempre muito bom. Beijo querida.
Estou acompanhando o blog ao longo dos dias, fiquei com vergonha de comentar nos anteriores, pois não estava apita a fazer. Achei engraçado o menino que se atreveu e levou uma leve patadinha. Gosto da sua ironia por baixo dos panos. Gosto também do comentador novo, parece inspirado tanto quanto você............esse curso é mesmo apaixonante.
Quanto a essa carta de Clarice devo agradecer por ter conhecido aqui, ainda não tinha lido. Parece uma aula de geografia com pitas de características profundas sobre os lugares. É animadora a vontade que fica de passar por lá.
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