terça-feira, 9 de agosto de 2011

.Consta que Shakespeare era "normal" (!!!)

Aí é assim: você resolve escrever, de verdade, faz toda uma opção de vida de caráter definitivo, rejeita frivolidades, vai morar no mato, sim porque antes era mata, gado, pastagem, há pouco é que virou “zona de expansão urbana” e com aquele IPTU que te aniquila, bem, mas continuando, você se entrega totalmente a essa absurda tarefa de escrever num país com milhões e milhões de analfabetos (sim, a opção foi sua, foda-se). Já estou tentada a enveredar pelos caminhos daquela cólera sagrada, silêncio, calma Hilda! Então continuando, aí depois de trinta anos você consegue lá algum renome, aí as pessoas praticamente suplicam para te conhecer, você fica a princípio acanhada, receosa, depois fica encantada, nossa! Não é mesmo que me querem bem. O escritor sente fundo e dilatado, sofre de compaixão e impotência, vê todos os canalhas do planeta cometendo atrocidades, conhece todos os métodos do Poder para aniquilar esperanças, métodos os mais ignóbeis (agora me lembrei de um cara que tinha um irmão que se chamava Nobel, eu disse: foi em homenagem ao Nobel do prêmio Nobel? Ele respondeu: não, mamãe achou a palavra “ignóbil” bonita e o apelido dele ficou Nobel quando a mãe soube o que significava a palavra). Continuando: aí o escritor que se pensava amado fica íntimo daqueles que amavam o texto dele, e então só faltam cuspir nele quando ele se descabela, chora, bebe, quando ele se mostra derrotado diante das grandes perguntas, perplexo diante do mistério, diante da maldade, do simiesco fútil da maior parte da humanidade. Então os amiguelhos que te amavam, a essa altura já te acham um lixo e dizem para os outros que ainda te amam: é, vai conviver com o gênio e aí você vai ver como ele é. Bizarro? Põe bizarro nisso! E como é que vocês queriam que fosse, esse que escreve coisas geniais? Certinho, arrumadinho, abstêmio, fino, dissimulado, pactuando com elegância com todos os ignóbeis donos da miséria e do Poder?

Boa tarde.
Domingo, 2 de abril de 1995
HILDA HILST




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