domingo, 31 de maio de 2009

.Enquanto dure.

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.

.Cansada.



Estou cansado, é claro,

Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado

De que estou cansado, não sei:

De nada me serviria sabê-lo,

Pois o cansaço fica na mesma.

A ferida dói como dói

E não em função da causa que a produziu.

Sim, estou cansado,

E um pouco sorridente

De o cansaço ser só isto -

Uma vontade de sono no corpo,

Um desejo de não pensar na alma,

E por cima de tudo uma transparência lúcida.


sexta-feira, 29 de maio de 2009

.Mais uma do velho safado 'Bukowski'


Eu era sentimental em muitas coisas: a uns sapatos de mulher sob a cama; a um gancho abandonado sobre a cómoda; ao modo de dizer "vou fazer xixi"; fitas do cabelo; descer a avenida com elas à uma e meia da tarde, apenas duas pessoas a caminhar; as longas noites em que se bebe, fuma e se conversa; os argumentos; pensar no suicídio; comermos juntos e sentirmo-nos bem; as brincadeiras e os risos absurdos; sentir milagres no ar; estarmos juntos dentro do carro estacionado; comparar antigos amores às três da manhã; mães, filhas, filhos, gatos, cães; por vezes a morte, por vezes o divórcio, mas continuar sempre; ler o jornal sozinho num quiosque e sentir náuseas por ela estar casada com um dentista com um Q.I. de 95; corridas de cavalos, os parques, ou piqueniques no parque; até cadeias; os sinistros amigos dela, os nossos amigos sinistros; os nossos copos e as danças dela; os teus engates; os engates dela; os comprimidos dela, as tuas fodas por fora e as dela; dormir juntos.


“Imaginem se por uma eventualidade viesse a se cruzar Hilda Hilst e Bukowski”

lg

quinta-feira, 28 de maio de 2009

.As gavetas do inconsciente.

Aos 79 gostaria de loquear um pouco. É bom ser estranho e velho. Que menina medonha! É sua filhinha, é? E esse é seu marido? Ahhh... então é por isso! Coitaaaada! E talvez colocasse um balde na cabeça à guisa de chapéu, como aquela baronesa Elza von Fretag von Loringhoven que também enfeitava a cara com selos... e morava no mesmo bairro onde moravam Henry Miller e June. Eu andaria com o meu balde e desenharia lindas borboletas na minha cara, aqui mesmo, na minha torre de capim. E vou dizer muitas verdades a alguns, principalmente àquele meu amigo banqueiro, riquíssimo (aliás acho que vou dizer agora) a quem pedi que editasse meu livro como brinde, no seu banco, e ele disse: você é mesmo boba, Hilda, ninguém mais lê poesia... Eu disse: mas você era tão sensível e gostava tanto de poesia e é filho de um poeta... Ele: agora eu só sou sensível depois das nove da noite. E eu deveria ter dito a ele o que vou dizer agora: e se eu te chupar a bronha depois das nove da noite, te sensibiliza e você edita? Só que aos 79 ia ser melhor porque eu estaria sem dentes... Ah, banqueiros, meus amigos, caixão não tem gaveta, viu?



quarta-feira, 27 de maio de 2009

.Era talvez a saciedade do sofrimento.

Aventurei-me pelas linhas de Alencar esses dias. Temi escolhe-lo justamente por seu caráter romântico, prefiro os realista-naturalistas, mas no fim não me arrependi. O escolhido foi um dos romances urbanos, uma narrativa curta onde estava retratado os costumes de uma sociedade do século XIX e em especial os traços psicológicos de uma bela mulher que deu ao título o nome de DIVA, enfim, quis concluí-lo para citar uma boa passagem, talvez a melhor aos meus olhos, pois bem...


"Eu assistia, deslumbrado, às erupções que produzia o orgulho ofendido naquela alma inteligente.

Ela afrontou-me com o olhar.

- O senhor é um infame! Disse com arrogância.

Fiz um esforço supremo, inclinei-me para beijar-lhe a fronte em sinal de despedida. Ela atirara rapidamente para trás a altiva cabeça, arqueando o talhe; e sua mão fina e nervosa flagelou-me a face sem piedade.

Quando dei acordo da situação, a senhora se encontrava a meus pés. Sem sentir eu lhe travara os pulsos e a prostrara de joelhos diante de mim, como se a quisera esmagar. Apesar da minha raiva e da violência com que a molestava, essa orgulhosa menina não exalava um queixume; soltei-lhe os braços magoados.

- Criança! Murmurei afastando-me"


O orgulho ofendido flagelou-me a face.

terça-feira, 26 de maio de 2009

.O direito de votar é o suficiente para me impor o dever de me informar sobre a política.


Poderiam perguntar-me se sou príncipe ou legislador para escrever sobre política. Respondo que não e é por isso que escrevo sobre a política. Se eu fosse príncipe ou legislador, não perderia meu tempo em dizer o que é preciso fazer. Eu o faria ou me calaria. O homem nasceu livre e em toda parte se encontra sob ferros.

Rousseau

domingo, 24 de maio de 2009

.Seus olhos embotados de cimento e lágrima


A verdade essencial é o desconhecido que me habita e a cada amanhecer me dá um soco.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

.Seja breve.

Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas...

.Temos que perder nossas cabeças para penetrar nossos corpos.



Tem um tempo para as


mentes,

um tempo para despojarmos nossas

mentes

e

um tempo para

recuperá-las.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

.Que me conste.

Eu via tudo o que passava diante de mim, - flagelos e delícias, - desde essa cousa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo.


Joaquim Maria

quarta-feira, 20 de maio de 2009

.Não deveríamos ter filhos.

Agora que já lhes disse quase tudo, meus suavíssimos amigos, meus preclaros inimigos, meus amores, todos esses nos quais me perdi, todos esses a quem dei tudo, da planta dos pés às pontas tripartidas dos cabelos. Dei tudo de mim, dei todo o amor, dei toda crueldade.

terça-feira, 19 de maio de 2009

.Expansiva, o inseto e a flor.


Meu catavento tem dentro

o que há do lado de fora

do teu girassol.

Entre o escancaro e o contido

eu te pedi sustenido

e você riu bemol.

domingo, 17 de maio de 2009

.Entulhos.

Pra que eu fotografe assim meu verdadeiro abrigo

.Os nomes dos poetas populares deveriam estar na boca do povo.

No contexto de uma sala de aula
Não estarem esses nomes me dá pena

A escola devia ensinar
Pro aluno não me achar um bobo
Sem saber que os nomes que eu louvo
São vates de muitas qualidades.

O aluno devia bater palma

Saber de cada um o nome todo
Se sentir satisfeito e orgulhoso
E falar deles para os de menor idade
Os nomes dos poetas populares”

Antônio Vieira

.Se tritura, se atura e se cura.


Pra mim basta um dia

Não mais que um dia
Um meio dia

Me dá Só um dia.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

.Caia machucando com jeitinho.



Ninguém esperava por ela. Injusta e incontrolável. Não escolheu uma boa hora para aparecer. Trouxe-me um problema e um amigo. Júnior. Poupou-me o nome do pai, fiquei apenas com o título. Essa mania de Júnior, Neto, Sobrinho é algo que pegou entre a burguesia. Enfim. Mas quanto a ela, que chegou, sem se anunciar, com seus pingos e sua euforia, fazendo questão de molhar todos que estavam despreparados, me surpreendeu. O homem desenvolveu, melhor, o ser humano desenvolveu (vai que alguma feminista leia o texto), maneiras para amenizar os impactos da natureza, mas nessa hora eu estava desprovida de todos. Sem sombrinha colorida. Mas, quando tudo parecia perdido, eis que surge, Júnior, que poderia passar por aqui e receber minha gratidão. Retirou-me dos pingos, deu-me cobertura e partiu após me deixar em casa. Quem disse que não existem homens como antigamente?


lg


.Era uma vez no meio da vida.

Era eu nua na rua
Usando e abusando do verbo provar
Um beija-flor, flor em flor, bar em bar
Bem
ou mal, mergulhar, mergulhar
sempre menina franzina, traquina
Querendo de tudo tomar
Sempre garota, marota tão louca
A boca de tudo querendo levar
Vida, vida, vida
Que seja do jeito que for
Mar, amar, amor
Se a dor quero o mar dessa dor
Quero o meu peito repleto
De tudo que eu possa abraçar e abraçar
Quero a sede e a fome eternas
De amar e amar e amar e amar
Vida, vida, vida...


terça-feira, 12 de maio de 2009

.Academia.

Estou amando. Amando minha fonte de conhecimento e os instrumentos dela para me manter interessada por horas consecutivas a fio. Amando as formas, os métodos, os traços, a didática, a timidez, a neutralidade. Amando o modo impositivo, mesmo que disfarçado, a rigidez sutil, a amplitude teórica. Amar é, mais do que nunca, precisar de.

Lg


quarta-feira, 6 de maio de 2009

.Tempos modernos.


Um dia desses, há um tempo atrás, me surpreendi com um fato que ocorreu no meu antigo trabalho, estava alugando o apartamento que eu morava, claro que me desesperei, gostava dele, e não me imaginava em outros lugares, mas tive necessidade de experimentar novas experiências, hoje estou em outro lugar (que parece ser transitório), mas que me assusto só de pensar que pode um dia deixar de ser meu.

Analisando por um lado mais emocional, acredito que depositamos em nossos objetos muitos sentimentos que deveriam ser despejados em pessoas, aos vizinhos (talvez), entretanto, quem não se apega a sua prateleira que parece ter sido construída com o intuito de habitar aquele canto específico, bem naquele cômodo que você a destinou e que se completa com o nível exato de luminosidade dado a ela pela janela?

Enfim, acontece assim com a cama, com o espelho, com o quadro, com os ursos, com os livros, com a cadeira, com a balança, com o ventilador, com o violão, com o violino...ah esse mundo das mercadorias e essa sociedade moderna e líquida, querido Bauman, por que a modernidade é tão dinâmica que impossibilita que as pessoas parem em um lugar, morem lá, cresça lá, viaje se quiser, mas que tenha em algum lugar seu refúgio? E por que ela esconde isso, camufla, finge que não acontece mais acontece, faz você pensar que não tem saudade dos outros apartamentos, dos outros quartos, dos outros vizinhos, quando você tem tudo isso? Bauman, meu bom homem, onde vamos parar com as coisas que inventamos, até quando vamos fingir ser seres tão dotados de individualidade e independência? Zygmunt Bauman me convide para tomar um café?

LG

.Da Fofoca.


Verdade ou não, o que se diz a respeito dos homens ocupa muitas vezes em sua vida, e sobretudo em seu destino, um lugar tão importante quanto aquilo que fazem. Há muitas bocas que falam e poucas cabeças que pensam.


Os miseráveis

domingo, 3 de maio de 2009

.Sequência real.

Neste momento senti que eu era um jogador. Senti isso como nunca até então. Minhas mãos tremiam, as pernas vergavam-se. As têmporas pulsavam agitadamente…Aliás os jogadores sabem muito bem como é possível ficar-se cerca de vinte e quatro horas com as cartas na mão, sem se virar sequer o rosto para os lados.

O jogador - Dostoiévski