Sem lamentações, mas ninguém viu! Pelo
adiantado da hora soube que precisava, dentre outras coisas, acabar com as
lamentações, pegar uma taça de vinho e descer as escadas para a sala da
escrita. Uma máquina velha, um cheiro de traça empoeirada, aqueles quadros
desbotados, a lareira sem fogo, mesmo que o fogo talvez nunca se apagasse. Os
dois instrumentos sem corda, o piano desafinado, o velho violino vendido,
quantas perdas! A lareira sem fogo. Sem desesperos. Os curativos vão tapando as
lacunas. Compra-se coisas novas, sapatos, jóias, uma pintura moderna, um
computador. Mas hoje era dia de barulho e da poeira sendo expulsa das letras da
velha máquina. Até a janela trepidava pelo vento. O fogo enlatado, o grito contido,
o gemido abafado, o desejo banido, as carícias adiadas. Era dia de expulsar. Quanta
bebida, quanto fogo, quantas linhas. Na hora de escrever é preciso matar o
desejo de alegrar o olhar com as palavras, do contrário é tudo mentira. Como se
fosse necessário dissertar sobre o que é e o que não é preciso fazer. Como se
fosse ansiedade, e não outra palavra a correta. Como se realmente desejo viesse
depois, ou tudo junto, ou aquilo que não se explica. Como esse barulho dos
dedos nas teclas, para lembrar o esforço humano em produzir e reproduzir carícias.
Como se eu fosse professora de algo, e não o contrário.
LG
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