terça-feira, 4 de setembro de 2012

.O sapato que todo mundo gostou, mas ninguém viu.



Sem lamentações, mas ninguém viu! Pelo adiantado da hora soube que precisava, dentre outras coisas, acabar com as lamentações, pegar uma taça de vinho e descer as escadas para a sala da escrita. Uma máquina velha, um cheiro de traça empoeirada, aqueles quadros desbotados, a lareira sem fogo, mesmo que o fogo talvez nunca se apagasse. Os dois instrumentos sem corda, o piano desafinado, o velho violino vendido, quantas perdas! A lareira sem fogo. Sem desesperos. Os curativos vão tapando as lacunas. Compra-se coisas novas, sapatos, jóias, uma pintura moderna, um computador. Mas hoje era dia de barulho e da poeira sendo expulsa das letras da velha máquina. Até a janela trepidava pelo vento. O fogo enlatado, o grito contido, o gemido abafado, o desejo banido, as carícias adiadas. Era dia de expulsar. Quanta bebida, quanto fogo, quantas linhas. Na hora de escrever é preciso matar o desejo de alegrar o olhar com as palavras, do contrário é tudo mentira. Como se fosse necessário dissertar sobre o que é e o que não é preciso fazer. Como se fosse ansiedade, e não outra palavra a correta. Como se realmente desejo viesse depois, ou tudo junto, ou aquilo que não se explica. Como esse barulho dos dedos nas teclas, para lembrar o esforço humano em produzir e reproduzir carícias. Como se eu fosse professora de algo, e não o contrário.
LG

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