Começou me relatando que em um dos seus trabalhos na penitenciária local foi designado que analisasse um histórico criminal de um indivíduo que havia matado friamente um homem. Explicou-me que era um projeto em conjunto com advogados, sociólogos e algumas lideranças da bandeira dos direitos humanos. Perguntei o que encontrou vasculhando o tal histórico, foi quando me disse a frase que foi anotada rapidamente sem que pudesse me ver pelo retrovisor: - “Conclui que aquele garoto, então assassino, já nasceu morrendo”. Encontrei agora o comprovante bancário com tal frase, se anotei foi porque tive a intenção de mais adiante escrever sobre. E foi nas pessoas que nascem morrendo que se concentrou nossos assuntos do almoço. Refletia sozinha que de fato minhas inclinações eram muito mais teóricas que práticas e sobre essa segunda tive uma aula de bravura, mesmo velando por minhas limitações. No desdobrar do dia e na mesma companhia de antes, pela terceira vez adentrei aquele lugar inóspito, agora não tome esse cenário pela penitenciária, estávamos em uma favela. Ainda tive o impulso de esconder brincos e anéis. Senti uma vergonha imensa desse ato. Senti vergonha das limitações também, mas tive picos de melhoras. Esperança, talvez. O fato era que estava longe do meu habitat, eles eram meu outro e eu o outro deles. De volta a esperança, como lemos em São Bernardo (digno Graciliano Ramos), um daqueles livros-base que julgamos chato quando nos encontramos no ensino médio: “se ao menos a criança chorasse, mas ela não chora, ela não chora...”.
LG