Explicar que esse é o terceiro
rabisco que arranho nesse papel e que os textos não precisam ser tão
auto-explicativos para surtirem efeito, é um começo relevante. No dia de hoje
registra-se: que calor! Que desvarios! Dizer, como a escritora de ontem a noite,
que seria interessante construir tua casa no meu quintal, erguer as paredes com
furos e deixar-te morar sem saber. Te espiaria a vida toda, em uma doença frenética
pela sua presença. Relembrar no pré-sonho que a casa sempre era encontrada
limpa, seus pertences espalhados pela cômoda, alguns sapatos enfileirados, seus
perfumes, o ambiente todo cheirando flor. E te espiaria nos afazeres. Gostava
de te ver cozinhar, chorando com as cebolas, lambendo a palma da mão, se
irritando com o fogão lento... Ria como se participasse. Quando me pegava
rondando dizia com a fase avermelhada – vou ao pomar, e seguia. Fato é que as
árvores do pomar eram secas e mortas, mas eu acreditava que não, e como nunca ninguém
aparecia lá, ficava assim mesmo. Minha casa vivia da limpeza da sua, e quando
vinha o impulso de arrumá-la pensava no desperdício de tempo e corria para os
fundos. Destampava os buracos para ver suas reuniões que deveriam ser
particulares, ver suas mãos conversando e cortando o vento, mas pausava nos seus
beijos que não era meus, esses eram todos momentos cegos, tampava os portais nas
suas intimidades, via só o suportável, quase nada. Via a introdução na busca de
um gesto de recusa, de falta de sintonia, que justificasse minha entrada. Quando
chegava a outra, ela passava pelo meu corredor e batia na casa dos fundos, era
um soco. Esperava sair, e depois espiava de hora em hora, seus suspiros, sua
admiração, seu encantamento, era como se o pré-sonho se carregasse de
transformar tudo aquilo em meu. Era tudo possível. Impossível era te expulsar e
demolir a casa do quintal dos fundos.
LG
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