quinta-feira, 2 de maio de 2013

.Minha casa vivia na sua.


Explicar que esse é o terceiro rabisco que arranho nesse papel e que os textos não precisam ser tão auto-explicativos para surtirem efeito, é um começo relevante. No dia de hoje registra-se: que calor! Que desvarios! Dizer, como a escritora de ontem a noite, que seria interessante construir tua casa no meu quintal, erguer as paredes com furos e deixar-te morar sem saber. Te espiaria a vida toda, em uma doença frenética pela sua presença. Relembrar no pré-sonho que a casa sempre era encontrada limpa, seus pertences espalhados pela cômoda, alguns sapatos enfileirados, seus perfumes, o ambiente todo cheirando flor. E te espiaria nos afazeres. Gostava de te ver cozinhar, chorando com as cebolas, lambendo a palma da mão, se irritando com o fogão lento... Ria como se participasse. Quando me pegava rondando dizia com a fase avermelhada – vou ao pomar, e seguia. Fato é que as árvores do pomar eram secas e mortas, mas eu acreditava que não, e como nunca ninguém aparecia lá, ficava assim mesmo. Minha casa vivia da limpeza da sua, e quando vinha o impulso de arrumá-la pensava no desperdício de tempo e corria para os fundos. Destampava os buracos para ver suas reuniões que deveriam ser particulares, ver suas mãos conversando e cortando o vento, mas pausava nos seus beijos que não era meus, esses eram todos momentos cegos, tampava os portais nas suas intimidades, via só o suportável, quase nada. Via a introdução na busca de um gesto de recusa, de falta de sintonia, que justificasse minha entrada. Quando chegava a outra, ela passava pelo meu corredor e batia na casa dos fundos, era um soco. Esperava sair, e depois espiava de hora em hora, seus suspiros, sua admiração, seu encantamento, era como se o pré-sonho se carregasse de transformar tudo aquilo em meu. Era tudo possível. Impossível era te expulsar e demolir a casa do quintal dos fundos.
LG 

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