A força de um Conselheiro para um povo abandonado pela pátria: “O povoado novo surgia, dentro de algumas semanas, já feito ruínas. Nascia velho. Visto de longe, desdobrado pelos cômodos, atulhando as canhadas, cobrindo áreas enormes, truncado nas quebradas, revolto nos pendores – tinha o aspecto perfeito de uma cidade cujo solo houvesse sido sacudido e brutalmente dobrado por um terreno; Era um baralhamento caótico dos casebres, como se tudo aquilo fosse construído febrilmente, numa noite, por uma multidão de loucos”.
A imagem desviada: o aldeamento efêmero dos matutos vadios, centralizados pela igreja velha, que já existia, ia transmudar-se, ampliando-se em pouco tempo, na tróia de taipa dos jagunços, canudos era o lugar escolhido por Antônio Conselheiro para realizar suas operações.A imagem para os moradores: canudos era um lugar sagrado, cingido de montanhas, onde não penetraria a ação do governo maldito e ainda, na imaginação daquela gente simples, era o primeiro degrau, amplíssimo e alto, para os céus.
Cunha, E. Os Sertões.
8 comentários:
Num tumultuar de desencontrados vôos passam, em bandos, as pombas bravas que remigram, e rolam as turbas turbulentas das maritacas estridentes... enquanto feliz, deslembrado de mágoas, segue o campeiro pelos arrastadores, tangendo a boiada farta, e entoando a cantiga predileta... Assim se vão os dias. Passam-se um, dois, seis meses venturosos, derivados da exuberância da terra, até que surdamente, imperceptivelmente, num ritmo maldito, se despeguem, a pouco e pouco, e caiam, as folhas e as flores, e a seca se desenhe outra vez nas ramagens mortas das árvores decíduas...
Uma breve consideração minha...O então presidente da I República do Brasil nunca atreveu-se a conversar com os moradores de canudos, se quer conheceu além do que os jornalistas (em especial Euclides) publicava em seu diário, mesmo depois de provado que o movimento não era contra republicano as expedições não cessaram, e como diz muito bem o livro de Euclides, canudos resistiu até o último morador e é, sem dúvida, um acontecimento que nunca apagará a vergonha da força do Estado enquanto detentor do poder de jurisdição pela vida.
Depois de reler o texto e os meus próprios comentários pensei e gostaria que alguém pudesse contribuir nessa discussão, que:
Qual tipo de governo é esse capaz de derrubar uma monarquia e implantar um novo modelo político (República) que se amedronta com um ideal religioso e toma como ameaça mortal (um pequeno movimento de pessoas que não reivindicavam nada além de tranqüilidade para plantarem e tirarem seu sustento de seus próprios braços)? Que governo é esse que dizima seu próprio povo?
Me sinto um ignorante em história do Brasil e mal conheço a de Canudos, então só posso esboçar uma resposta à sua pergunta, ou melhor, iniciar uma especulação.
O Brasil entrou no capitalismo pela chamada via Colonial. Ou seja, a mesma oligargia escravocrata que dava as cartas no império continuou a dá-las na república. "Melhor que nós mesmos façamos disso uma república, como já aconteceu em toda a América Latina, do que outros" era seu pensamento. Esse pode ser o primeiro aspecto que devemos ter em conta para notarmos que não é porque muda-se o modelo de monarquia para república que essencialmente mudam-se os meios com os quais o Estado atua.
Já o "amedrontamento" diante um
pequeno movimento pode estar diretamente ligado ao controle que os proprietários da recém república têm consciência que devem ter sobre a propriedade. A traqüilidade para plantarem e tirarem seus sustentos de seus próprios braços fere a soberania dos latifundiários sobre as terras onde esses trabalhadores querem plantar. Além do mais, o trabalhador que trabalha pra si mesmo e não para o proprietário não reproduz o capital agrário deste - o que, é claro, é uma blasfêmea capital.
Interessante o caráter religoso auferido ao movimento. Muitas vezes manifestações religiosas são o aspecto mais visível de um movimento cuja essência é algum tipo de emancipação. Foi assim com a Teologia da Libertação no Brasil, diretamente ligada à luta dos componeses. Se não me engano Engels já vez uma análise sobre esse tipo de coisa, mas nunca li-o-o! :)
Bom mesmo era conversar com um bom historiador sobre esse lance todo aí. E eu acompanharia tomando um suco. Com canudos, claro! :)
ps.: já está devidamente linkada.
Não sei se um bom historiador é necessário, mas posso lhe ajudar se quiser saber alguma coisa hauhaua...fui participante da 92ª Semana Euclidiana em São José do Rio Pardo, estou quase compreendendo todo o processo, claro que faltei em algumas aulas para beber água de coco com "canudos", mas alguma coisa vingou.
Só para não deixar passar...aqui vai a passagem pela qual Euclides descreve o exército caminhando para canudos em marcha de compaixão:
"Não havia um homem válido. Aqueles mesmos que carregavam os companheiros sucumbidos claudicavam, a cada passo, com os pés sangrando, varados de espinhos e cortados pelas pedras. Cobertos de chapéus de palha grosseiros, fardas em trapos, alguns tragicamente ridículos mal velando a nudez com os capotes em pedaços, mal alinhando-se em simulacro de formatura, entraram pelo arraial lembrando uma turma de retirantes, batidos dos sóis bravios, fugindo à desolação e à miséria.
A população recebeu-os em silêncio."
Se tiver algum resumo ou resenha sobre o cilíndroco (ahahhaa) tema, o cosmonauta aqui agradece! :D
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