Um breve relato da passagem para o não
sei. Hoje quando fui obrigada a me despedir de um amigo para o nunca mais,
fiquei me questionando o quanto perdi, ou ganhei, de não ter ficado próximo e
me permitido acompanhar os desdobramentos da vida daqueles que passaram pela
minha vida. Morar fora pode ter suas vantagens. Veja que o texto não será
fácil. Pois bem, em velório de um amigo e companheiro de cervejas, bem nascido,
culturalmente diferenciado, viajado o suficiente, com um bom emprego e, como
muitos, infeliz com alguma coisa, parei para pensar nas mortes que a ditadura
da beleza oferece aos descontentes, pois teria sido esse o principal motivo da
sua partida. Como socióloga que sou, de formação, não sei se de competência,
parei para comentar com outros amigos, vivos, que o fato principal que levou o
amigo, agora morto, era a ditadura estética, que insiste, o tempo todo, que ele
estava acima do peso e necessitava reduzir seu estômago. Pois estava lá o amigo
morto, verde, costurado por dentro, com toda a sua inteligência e sagacidade sacrificadas.
Como a maioria dos meus amigos, esse também era gay, e busquei entender ali o
afastamento do parceiro do corpo velado, o choro quase que desesperador do pai
e a feição desamparo da mãe. Horrível como todo velório, doloroso como toda
partida. Mas o parceiro ali afastado, não por vontade própria, me causou uma
comoção gigantesca e me fez, depois de 14 horas, escrever isso aqui. A vida se
resume a isso? No caso do amigo, a morrer por um sonho que, às vezes, se modela
pelo comportamento dos outros, na busca por um tipo de beleza aceita e julgada
normal? No caso do parceiro, a se despedir à distância daquele que acordava ao
seu lado, para evitar que a mesma sociedade doente, que levou seu companheiro,
o julgue ainda mais? Diria eu que a vida se resume ao incompreensível, e os laços humanos se
resumem as aparências, uma pena, como sempre.
LG
2 comentários:
Eu diria que a vida não se resume. Há tanta complexidade que a redução seria um erro completamente injusto. Pena sua descrença nas relações humanas, socióloga de formação. Há muito mais que aparência. A vida já lhe mostrara. Que o vigor da crença no amor tão íntimo quanto profundo floresça novamente. Quando embebida pelas delicadezas da companhia querida você caminha com maior leveza nessa dança que é o viver.
Belo comentário! Que o amor floresça novamente...
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