segunda-feira, 8 de outubro de 2012

.Gostaria de ter nova síntese para os dados.



A memória e seus ossos, a torpe lucidez, minha viagem através dos retratos, eu e meu rei trocando segredos, ressonando espaços, e a cólera de saber que tudo me possui e ao mesmo tempo nada, que nada em mim é permanência.

Hilst.

.Pequenos discursos, e um grande.



Dentro de mim, sagrado descontentamento. Tu és minha mulher e o teu olho traduz desejo de eloqüência. Sei que posso falar a noite inteira e esvaziar teus eternos conceitos, sei tudo o que tu és, veludosa e decente, redondez, faminta do meu gesto, sei, que vais dizer que se mudo de casa mudo de natureza, e que é inútil querer o real do meu espaço de dentro, sei que vais dizer que eu, homem político, devo permanecer junto aos homens, abrir e fechar constantemente as mandíbulas, SEI QUASE TUDO DE TI, DE MIM SEI NADA, sei muito dessa palha que se chama aparência, sei nada dessa esquiva coisa entranhada no meu ser de dentro. 

HH. Rútilos. p.15

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

.Será que Casablanca ainda vai passar?



É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.
Joaquim Maria  Machado de Assis

Não estava tão calor. Hoje, por exemplo, o sol coberto, a umidade no ar, aquela vontade de chorar encostada no canto do sofá. Os dilemas dos pequenos burgueses. Sensação de angustia não digere, não dissolve, fica incomodando a garganta. Aumentando o nó, a facada no peito. Quanto exagero, meu deus. Mais tarde será nos teus livros, e alguns de Machado de Assis, mas, sobretudo nos teus, que muitos poderão sentir dor e saudade com todas as suas mazelas. Paisagem e almas, todas as tristezas, estará tudo ali. Não queria saber do mais tarde. Entretanto, era melhor falar do mais tarde do que não falar.
LG

terça-feira, 2 de outubro de 2012

.Tanto que após desfiar um "eu te amo tanto", não ouse nunca mais declarar "eu te amo" - é como se amasse menos.



Repare como o negócio é tinhoso. Durante as compras, no caixa, costumava perguntar se ela estava naquele momento com troco. Não falava dinheiro, mas troco. Uso troco para tudo. Para quê? Ela já formulou uma tese de que empregava o código com a ex. Igual sina em nossas rotas românticas. Relaxados, sozinhos e prontos para namorar, peço que ela me alcance o champanhe do balde: - Por favor, me passe a "champs"? “Champs”? Feito o entrevero. Usava também esse dialeto com a ex. O grave é que ela tem razão. Só não desejava brigar, ainda mais quando não tenho defesa. Ela poderia ser mais justa e me dar tempo para preparar uma mentira.
Carpinejar, F.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

.Felicidade é produzida assim como a realidade?



Tenho um trabalho não muito seguro. Hoje mesmo, pela manhã, desci uma rampa pra depois subir o morro. Pode se esperar de tudo, entretanto, hoje foi surpreendente. Confundi a sirene com o sinal. A gritaria com o intervalo. E as vozes de comando com a da pedagoga. Naquele momento era tudo parecido, a polícia e a escola se articulando para enquadrar mais um adolescente. Mas, em contra partida, aquele momento era tudo novo no meu mundo, vi a indelicadeza, a brutalidade e a covardia que tanto se fala e se assiste. Só torcia para que aquele não fosse um dos meus, tomara que não estivesse em nenhuma sala minha, tudo isso parecia que confortava, de alguma forma. Me excluía da necessidade do “importar-se”.  Mas era um dos meus. Fiquei irritada e comovida, atormentada e confusa, com pena e desinformada. Sem expressões evidentes. Afinal, se tratava de que? Quando fiquei sabendo fui da comoção para a cólera e da tentativa de fazer diferente para o conformismo. Algumas pessoas nos surpreendem sempre, outras, em apenas 1 minuto, nos surpreende para sempre. Virei as costas e não assisti o desfecho, fui ter diálogo com os meus, na biblioteca silenciosa. Sem ninguém. Eu, e todos aqueles conhecidos emparedados em ordem alfabética.
LG