domingo, 27 de novembro de 2011

.De mastigar e lamber a carne, o escorrer vermelho, ferido.

Ouvia sempre quando menina as conversas de muitas mães da aldeia, que uma escondeu seu filho num buraco de pedras, e escondida também ao lado dele envelheceu para que não o levassem as guerras, e outra muito pequena, que deixou seu filho nas ramagens um instante enquanto ia banhar-se no rio e na volta teve o espanto de ver a três passos da criança um animal tão grande como o tigre, de muita semelhança, a pele com riscados, as patas redondas, num rugido o animal mostrou dentes de lança, e ela tão pequena atirou-se ao corpo da fera, também deu rugidos como se fosse a fêmea do animal maldito, lutou fêmea que era, o pequenino balançava-se rindo, de inconsciência gentil, lhe parecendo talvez que a mãe o mimava com uma cena de circo, e de cicatrizes tão fundas ela, ao longo da vida, escondeu a cara. Era um espectro saído das águas.

Hilst, H. Tu não te moves de Ti. SP: Globo, 2004. (p.73)

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu compreendi perfeitamente a sincronia entre o trecho do Fantasma da Ópera e o fragmento da Hilda. Ótima relação.