quarta-feira, 22 de setembro de 2010

.Por longas horas procurava em vão conciliar o sono.

Sidarta, nessa noite de insônia, desejava lançar para fora de si, num imenso jato de enjôo, aqueles prazeres, aqueles hábitos, aquela vida absurda e livrar-se de si mesmo...foi nesse instante que teve um sonho. Numa gaiola de ouro, Kamala guardava um passarinho canoro, muito raro. O pássaro, que normalmente cantava nas primeiras horas do dia, parecia mudo. Como esse fato lhe chamasse atenção, ele aproximou-se da gaiola e viu que o passarinho jazia no chão, morto, enrijecido. Retirou-o e atirou-o na calçada da rua. Mas logo assustou-se terrivelmente. O coração doía-lhe como se ele houvesse jogado fora não só o cadáver da ave, como também tudo quanto fosse bom e tivesse valor. Despertou bruscamente, sentindo profunda tristeza. Atormentava-o a impressão de ter levado uma existência vil, miserável, insensata. Sentou-se embaixo de sua mangueira no seu jardim e começou a pensar e a reavaliar sua existência. Passou todo dia refletindo, até que pensou: ...Aqui estou, ao pé da minha mangueira, no meu jardim... E esboçou um leve sorriso, ao ponderar se tudo isso era necessário , importante e certo, e não apenas um brinquedo tolo, possuir uma mangueira e um jardim? Resolutamente, resolveu dar fim a esse estado das coisas, saindo da cidade e nunca mais voltando.

HERMANN HESSE - Sidarta - CAP. VII Sansara

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