Viu-se empenhado em erguer uma gigantesca muralha feita apenas de livros. A muralha crescia, crescia, ele já não podia ver o mundo em seu redor e o próprio sol não penetrava mais no espesso muro de livros. A obrigação dele era empilhar todos os livros do universo e construir um gigantesco monumento. De repente, uma parte da edificação começou balançando, livros escorregavam e caíam no vazio, uma estranha luz penetrou pelas frestas abertas e, do outro lado da muralha em ruínas, ele viu algo pavoroso: um caos apocalíptico de formas e figuras, de seres humanos e paisagens, de recém-nascidos e moribundos, crianças e tigres, répteis e soldados, cidades ardendo e navios naufragando, gritos alucinados e exclamações de júbilo, sangue correndo, vinho escorrendo, archotes que corriam de um lado a outro, deslumbrantes e cínicos... e acordou de súbito, sobressaltado, desceu da cama, torturado por um peso esmagador sobre o coração. Foi até à janela do seu quarto. E, num lampejo fulminante, percebeu tudo: Fora enganado, fora novamente enganado por todos! Tinha lido, folheara milhares de páginas, devorara papel e tinta com os olhos e, entrementes, por detrás da obscena muralha de livros, a vida passara em vertiginosa cavalgada, queimando corações, agitando paixões, gerando amores e crimes, abnegações e egoísmos, renúncias e ambições, esparzindo sangue e vinho, derrotas e triunfos. E nada disso lhe pertencera, em nada disso participara, nada lhe passara pelas mãos... nada! Apenas aquelas finas e lisas sombras estampadas nas folhas de papel de seus livros...
Hermann HESSE
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