Que eu possa devolver os livros que tomei emprestado. Que eu não peça a devolução dos livros que emprestei. Que eu tenha dúvidas, melhor do que certezas e falir com elas. Que eu faça o medo amadurecer em esperança. Que meus amigos desempregados deixem de comprar o jornal pelos classificados. Que a poesia não fique na estante mais escondida das livrarias. Que eu faça fantasia mesmo acordado. Que minha letra aprenda a montar no cavalo das linhas. Que eu ande de bicicleta para enxergar a cidade diferente. Que eu cuide das plantas da mão alisando a chuva. Que eu não fique cobrando para me aliviar do trabalho. Que eu tenha menos vaidade e mais realidade. Que eu invente mentiras convincentes para deixar as verdades com ciúmes. Que eu não pense na morte antes de dormir. Que eu volte a rezar sem querer. Que eu possa nadar na neblina. Que eu não tenha receio de ser ridículo. Que eu faça amigos falando do tempo. Que eu escreva nos livros o que os livros me escrevem. Que eu possa brincar mais sem contar as horas. Que eu use somente as palavras que tenham sentido. Que eu prove a comida nas panelas. Que eu aceite os conselhos da loucura. Que transforme a raiva em vontade de me entender. Que o trânsito não seja sauna. Que eu passe a xingar o pai do juiz no estádio. Que eu atinja o segundo andar das ameixeiras. Que eu abra o capô apenas do piano. Que eu não precise fechar as janelas na sinaleira. Que eu visite mais minha sogra. Que eu me levante de bom humor. Que eu leve a cama até o café. Que o inverno seja uma garrafa de vinho e vaga-lumes dentro. Que o governo seja suficientemente competente para não ser pivô das conversas. Que eu me lembre dos nomes dos filmes que assisti. Que eu não cante em público. Que a eternidade possa sentir saudades da vida.
Um comentário:
Anônimo
disse...
Que seu sorriso dedique mais tempo aos meus olhos!
Quem sou, sinceramente, estudante de sociologia, daquelas pessoas que para sempre terão que conviver com a pergunta da vizinha: mas o que você faz mesmo? Leitora viciada e jogadora de xadrez aposentada.
Nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós.
Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas" Clarice Lispector
Um comentário:
Que seu sorriso dedique mais tempo aos meus olhos!
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