Essa manhã, cabisbaixo, Alfred cruzou
a porta. Pediu para ser readmitido. Contou-me vantagens, disse que aprendeu
certos pratos exóticos pelos lugares que passou. Olhou ao redor, fitou a casa, e
exclamou que eu precisava dele. – Veja essa estante, sem ordem! Aquele armário, esses livros pelo chão. A
cama desfeita. Olhe senhora! Passou o dedo pela mobilha e tirou uma camada fina
de poeira. Olhei-o com tamanho contentamento, era tão irreal tê-lo na casa
nova, mas logo me recompus, Alfred aqui? Nesse fim de mundo? Todo deslocado? Pedi
que se justificasse, falasse melhor sobre o abandono, me explicasse por qual dona
me trocou. Pedi com certo olhar de quem precisava compreender. Alfred foi sincero, disse ter me abandonado
por eu precisar daqueles momentos só, mas na seqüência me convenceu da minha
necessidade em tê-lo por perto. Eu sinto falta, senhora. Sinto falta das
conversas malucas no café, sinto falta dos seus malabarismos teóricos e de como
pensa que eu entendo o que dizes, sinto falta daquelas loucas mulheres que
cruzam essa porta e gargalham, falam alto, bebem e contam crônicas alucinantes.
Puxei-o pelo braço, pedi a carteira, assinei. Alfred era meu como se nunca
tivesse me deixado. Eu precisava daquele mordomo insensível ali, seja para o
que for. Disse: - Passe um café, eu coloco a mesa, preciso te contar tudo. De
como sou tentada diariamente, de como minha mente anda cheia e nada confusa, de
como tudo isso aqui que você vê agora é meu e se foram os alugueis, os boletos.
Preciso te contar das noites, Alfred querido, elas nunca mais tiveram o mesmo
significado. Jantares, vinhos, espumantes, queijos, uma loucura amigo. E os
corredores? Preciso de uma crônica só para te contar dos corredores daquele
trabalho insano, da mulher encostada na porta. Sente-se mais perto que preciso te contar da
próxima viagem, do itinerário todo, da abelha-rainha que conheci, do trabalho,
dos meus orientandos, da vida de solteira assumida, do coração nada vazio, do
tudo que estou vivendo e não me escapa nada.
LG
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