Mas isso não dói? Perguntei olhando a
compulsão frenética com que ela retirava com a pinça os pelos, um a um, da
virilha. Não. Respondeu rápida e convicta. Fiz que acreditei, mas a cada puxada
uma gotícula de sangue saltava do ponto onde antes era um pelo. Você se
incomoda? Não, respondi. Era uma noite de sábado, e lá fora aparentava guardar
tanta coisa, tanto por esperar. Enquanto lá dentro, era isso. Uma luz forte, uma
pinça inquieta, eu e meu whisky e a Janis cantando Mercedes benz. Confortável.
Até poderia dizer que estava sexy o momento, totalmente sexy se não tivesse
mais sentimento envolvido. Eu gostava dela com ou sem gotículas, ou loucuras sádicas
de puxar, ela por ela mesmo, seus pelos. Era atrevido e envolvente. Terminado
ela deixou apagar a luz, acendemos uma luminária, e para meu não espanto,
continuamos cada uma em seu mundo, como se no não falar nos entendêssemos. Era
assim as noites de sábado e a segunda no almoço, era tudo assim para ser bem
realista. Não vai! Era sempre um pedir para ficar, para estar perto. Mesmo que
o momento não fosse de total interação, estávamos perto e isso satisfazia.
Alfred gostava dela de uma maneira inacreditável. Dizia: Senhora, ela é rosada,
de tão branca. Tem o cabelo dourado, os passos leves, sorri, grita quando
nervosa, é uma mulher com todos seus atributos. E eu ouvia com satisfação, era
mesmo uma senhora. Não me largava mais, não por vontade própria. Eu a
acorrentava a mim de maneira singular e ridícula. Não era necessário fingir que
precisava dela ali, porque precisava mesmo. Ficava distante pouquíssimas horas
no dia, o suficiente. E quando estávamos juntas era para criar contos como
esse, sua presença não me devorava. Vice e versa. Não minava meu eu. Era para
dar certo, como todos os outros, mas era significativamente diferente, ela era
rosa. Branca como a palidez sempre desejada, e seus guardados, seus íntimos,
mas rosa que a rosa que leva o nome. Era lindo, límpido e o necessário para dar
a cara a tapa, para sofrer de amor depois, para superar qualquer pinçada nos
pelos mais resistentes. Não era uma dor, era um alívio. Era dupla de As em uma
mesa verde. Ela era um delírio. Era um trunfo. E gostava de comida japonesa,
meu deus. Gemia, como poucas. Era sexy, envolvente, ROSA, alegre, disposta, meu
deus. Foi quando apagou a luz forte, ligou uma luminária amarela, envelheceu
todo o ambiente. Deu simetria a sala, aos livros e as almofadas xadrez que
pareciam ter parado no tempo. De acordo com o jeito que se mexia, a camisa cortada
por ela, revelava ora um seio ora outro. Era um alternar de imagens
maravilhosamente iluminado. Foi encher o copo, era mais whisky, chegou me
servindo e derramando tudo, como se não ligasse, mas ligava, e estava rosamente
alterada. Derramava para limpar, eu bem sabia. Fazia incredulidades com a língua.
Mais rosada! Eu me derretia nisso. Poderia fazer tudo que ela pedisse apenas
pela cor, era um deleite incrível. Eu que não erguia a mão, amava, preste
atenção nisso, amava, dar aqueles tapinhas que realçam um vermelho que está
ali. E logo seu rosto branco corava, e ela ria. Outro gozo. E o apelido: monstra!
Ela dizia: monstra, posso trocar a música? Até assim era doce, eu não era seu
bem, sua vida, seu amor, eu era sua monstra. Era realista por demais. Um gozo. Já
não dormíamos mais espaçosas, nos espremíamos, ligavamos o ar para compensar.
Mas era um espremer sem fim. Eu daria a ela meu sobrenome, e tudo que ela
pedisse. Estava, sem dúvida, morrendo de amor. Li o texto pra ela. Ela disse:
muito bom. Não sei se por gentileza ou por estar seriamente alterada. Rosa.
Lg