terça-feira, 20 de março de 2012

.Vou me trancar, a tendência da humanidade é romper com os humanos e perecer.

Fui mordido por um cachorro quando tinha três anos de idade. É uma das mais remotas e traumáticas memórias de minha vida. Talvez por isso costume lembrar com prazer a definição do uísque proposta por Vinícius de Moraes, uma das maiores autoridades no assunto: o uísque é o cachorro engarrafado. Traduzindo-a a meu modo, não gosto de cachorro, não confio em cachorro. O único cachorro que tenho como amigo é o uísque. Indo adiante, sou um humanista impenitente. Olhando à minha volta, todos os dias, começo a desconfiar de que sou o último. Meus semelhantes, decerto desiludidos do convívio humano, preferem cada vez mais a companhia dos cachorros. Falando por mim (por quem mais poderia falar?) passei a invejar caninamente os cachorros. Todas as tardes saio para caminhar no calçadão da praia e assisto sempre, de coração cortado, a esse espetáculo invariável: meus semelhantes, sobretudo mulheres, passeiam exibindo orgulhosamente seus cachorros. Muitos saem enfeitados com coleiras coloridas, penteados caprichosos, todos talvez zombando da indiferença com que nós humanos nos tratamos.

Fernando da Mota Lima

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