Ainda ontem, enquanto tomávamos o café da manhã, anunciou no rádio: Teobaldo, filho de José, fora promovido a senhor de alguma instância do governo. O filho de José, de um José, promovido, para o governo, quem diria. Teobaldo o menino mais novo de José sempre foi falante, daquelas poucas crianças capazes de subir em caixotes velhos, de frutas da última feira e discursar, criar histórias, inventar casos, e qualquer outra coisa que sempre lhe deixava no alto. Tinha imaginação fértil o menino. Tinha tanta imaginação que só existia uma coisa em todo seu ser que poderia ser mais intensa, a preguiça. Teobaldo era bom de história e preguiçoso. Aqui em casa todos se perguntavam (e esse foi o assunto do café, da hora do almoço e do jantar), depois da notícia, se existia pessoa melhor para adentrar ao governo.
José, homem trabalhador, carpinteiro por ironia, casado com Maria, por ironia maior e pai de três filhos, aos 68 anos tinha agora um filho no governo. O mais velho um coitado, desde criança rondava o pai, propício a ser também trabalhador comum. Trazia na face o aspecto sofrido, foi crescendo e passou a “enxergar primeiro as dificuldades a vencer, depois o triunfo a alcançar”[1] era persistente e pouco pensador, era um Júnior na vida, um José com data de nascimento alterada, era o fruto perfeito a seguir a condição do ventre. O menino do meio era ainda pior que o menino maior, era gordo, mau trabalhador e mau contador de histórias, era um daqueles filhos que passaria as tardes dormindo na carpintaria a empacar os negócios.
José tinha dois filhos e Teobaldo. Tinha três, mas Teobaldo crescera e ocupara agora outra classificação. Teobaldo, o oposto do menino maior, era do tipo de colher o fruto antes mesmo de plantar a árvore, era astuto, certeiro, sabia o português, falava bonito e por isso fizera-se importante, entretanto, nem por isso deixara de ser preguiçoso. Por mérito era agora membro do governo. Quanto mais perto do governo Teobaldo chegava, menos visita José recebia.
Teobaldo era inteligente e por isso não precisaria trabalhar muito, tinha todos os quesitos necessários para adentrar a política, só assim poderia continuar inventando história e olhando as pessoas de cima.
LG
3 comentários:
É bem isso que está escrito, a noticia de ter no governo o filho de um pobre nos choca, pior ainda quando esse filho de pobre não está coberto de boas intenções para melhorar a vida dos seus. Adentrar a política, como adentrar a qualquer cargo público, dá, de imediato, uma tranqüilidade ao indivíduo, tanto se tratando dos salários e benefícios, quanto do status que a profissão trás. As histórias contadas em cima do palanque se postas 30% em prática mudaria muita coisa no nosso quadro social. Isso porque estamos esquecendo 70% que deveríamos cobrar dia-a-dia dos nossos representantes, e como disse Rousseau – do contrato social: “Rigorosamente falando, nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existirá. Contraria a ordem natural o grande número governar, e ser o pequeno governado. É impossível admitir esteja o povo incessantemente reunido para cuidar dos negócios públicos; e é fácil de ver que não poderia ele estabelecer comissões para isso, sem mudar a forma da administração”.
Teobaldo é o típico menino do interior, que sempre viu no governo uma maneira de trabalhar pouco e enriquecer fácil, infelizmente essa é a concepção que temos dos políticos, que se espalham pelos montes por esse Brasil afora. Estranho é a admiração que temos quando achamos um que não é corrupto, quando a operação deveria ser o inverso, deveríamos horrorizar os que não cumprem com dever e ética seus cargos; mas esse assunto já virou farra no nosso senado, onde trabalham mais com CPIs do que com propostas latentes. São todos uns Teobaldos em tudo na vida, tirando que uns já nascem ricos.
Em se tratando da política "profissional", os Theobaldos são raros. Tristes mas raros. A maioria dos políticos "profissionais" vêem de outros lugares, mais ligados àqueles que, aí sim, comandam os políticos de fato.
Assim como Isaac Newton, que não concebia a inexistência de Deus e teve que, mesmo construindo a monumental obra da Gravitação Universal, colocar a dividade com a "causa prima" para iniciar o movimento no universo, Rousseau também estava nos limites do seu tempo. Não concebia o cerne da sociedade de classes, então não conseguia construír um modelo de democracia, no sentido mais universalizante possível da palavra. Não é, como muitos vulgares podem dizer, um "inescrupuloso comprometido com a burguesia ascendente", ou ignorâncias equivalentes. Ele estava nos seus limites históricos, e naquele contexto era um revolucionário, estava jogando fora a velha e putrefada ordem feudal. Sua conclusão nesse limite é inconteste: "Contraria a ordem natural o grande número governar, e ser o pequeno governado." E então temos condições de compreender que o problema então não é governar. O problema é a existência das diferenças sociais entre esses "números" para se governar. Todos os projetos de civilização que implementamos até hoje não levou isso em conta: numa sociedade hierarquizada (seja escravista, feudalista, capitalista), governar para a maioria contraria "sua" ordem natural. O alvo portanto é implementar um projeto de civilização que desmonte a hierarquia. Esse é o contexto histórico de hoje, que Rousseau não vislumbrou, e que não poderíamos exigir isso dele.
E assim o político "profissional", e os eventuais Theobaldos, ficam automaticamente obsoletos. Porque até a política strictu sensu do termo já não seria mais necessária.
Lu, não sou muito bom em interpretar textos literatos. Mas me disseram uma vez que uma obra artística só o é quando cria um leque de debates e visões de quem a comtempla. Algo me diz que seu texto seguiu esse pressuposto! :)
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