quarta-feira, 25 de novembro de 2015

.As galinhas que estão no quintal já comeram duas minhocas mas eu não vi.

Então subitamente olhou com desgosto para tudo como se tivesse comido demais daquela mistura. "Oi, oi, oi...", gemeu baixinho cansada e depois pensou: o que vai acontecer agora? E sempre no pingo de tempo que vinha nada acontecia se ela continuava a esperar o que ia acontecer, compreende? Afastou o pensamento difícil distraindo-se com um movimento do pé descalço no assoalho de madeira poeirento. Esfregou o pé espiando de través para o pai, aguardando seu olhar impaciente e nervoso. Nada veio porém. Nada. Difícil aspirar as pessoas como o aspirador de pó. 
— Papai, inventei uma poesia. 
— Como é o nome? — Eu e o sol. — Sem esperar muito recitou 
— "As galinhas que estão no quintal já comeram duas minhocas mas eu não vi".
— Sim? Que é que você e o sol têm a ver com a poesia? Ela olhou-o um segundo. Ele não compreendera...
— O sol está em cima das minhocas, papai, e eu fiz a poesia e não vi as minhocas... — Pausa.

Perto do Coração Selvagem – Clarice Lispector

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