Ela morreu assim que pôde, assim que o médico chamou todos e disse: -
pode ser que ela morra. Ela morreu. Foi rápido. Parecia uma procuração. Na
verdade parecia que precisava desse parecer libertador dizendo, ela vai morrer.
De fato, depois disso, eu cresci esperando o dia dessa abolição do mundo. Que
me chamassem, eu e todos os mais queridos em uma salinha escura, e pedissem que
eu esperasse no corredor. Depois, ao ver todos saindo com cara de choro, me
abraçassem e começassem a realizar os meus mais sortidos desejos. Diriam ao pé
do ouvido dos interessados: - Fazemos isso porque ela está para morrer. E por
mais que eu soubesse o que fofocavam, ainda me esforçava para fazer uma cara
de grande resignação. Triste que não entendiam que todos estavam com a mesma
carta para vencer, que a morte chegaria cedo ou tarde, como se deve. Mas
aquele, cuja o aviso é dado com antecedência reservamos um fio de cuidado, um
tempo a mais, uma carícia simbólica. A melancolia na morte é um puro desprezo
sentido da vida. A morte é o defrontar com o espelho e dizer: - Há tanta coisa
em mim silenciosa, que permanecerá assim no pálido do nada. E quem ouvia
chorava com se sentisse culpa pelo quase morto que tanto recebeu ofensas em
vida. A morte enche de complacência até aqueles que desconhecem o que isso
significa. A morte sofrida e sentida se alaga no remorso, o que é melhor não
tê-lo.
“Ainda não se
cansara de existir e bastava-se tanto que às vezes, de grande felicidade,
sentia a tristeza cobri-la como a sombra de um manto, deixando-a fresca e
silenciosa como um entardecer. Ela nada esperava. Ela era em si, o próprio
fim.” C, Liscpeckor – Perto do Coração Selvagem
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