sábado, 29 de novembro de 2008

.Schopenhauer.


A arte de não ler é muito importante. Consiste em não sentir interesse algum por aquilo que está a atrair a atenção do público numa determinada altura. Quando um panfleto político ou eclesiástico, um romance ou um poema estão a causar grande sensação, não devemos esquecer-nos de que quem escreve para tolos tem sempre grande público. Uma condição prévia para ler bons livros é não ler os maus: a nossa vida é curta.


Arthur Schopenhauer, in ‘Aforismos’

.Não tenho mais os olhos de menina.

Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua, e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

.Sua paixão é uma doença mesmo, uma doença total.





Se tens um inimigo,

deseja-lhe

uma paixão.


.Embora mintas bem, não te acredito.

É só uma hora, quando é mais, a gente ganha mais dinheiro, mas não é todo mundo que tem tanto dinheiro assim pra lamber. O moço falou que quando ele voltar vai trazer umas meias furadinhas pretas pra eu botar. Ele quis também que eu voltasse pra cama outra vez, mas já tinha passado uma hora e tem uma campainha quando a gente fica mais de uma hora no quarto.
Trecho de O Caderno Rosa de Lori Lamby
Hilda Hilst

.Modernidade.



A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo.
Para ser popular é indispensável ser medíocre.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

.Põe aquela sua camisa que eu detesto.


Uma ocasião,

meu pai pintou a casa toda

de alaranjado brilhante.

Por muito tempo moramos numa casa,

como ele mesmo dizia,

constantemente amanhecendo.


.Do bem e do mal.

“No fundo, não há bons nem maus.
Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem e os que sentem prazer em fazer o mal.
Tudo é volúpia…”
quando, ainda menino, briguei ainda uma vez para sempre com adalgisa,
não fui olhar a saída da missa de domingo,
como era costume naqueles ingênuos e queridos tempos,
e fui passear pela rua da sua casa,
ver a placa da esquina,
despertar o costumeiro revôo dos pombos na calçada.
não esqueci nada, nada daquilo…
tudo tão cheio da ausência dela!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

.Só melhoro quando chove.

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso, com trovoada e clarões, exatamente como chove agora. Quando se pôde abrir as janelas, as poças tremiam com os últimos pingos. Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema, decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos. Fui buscar os chuchus e estou voltando agora, trinta anos depois. Não encontrei minha mãe. A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha, com sombrinha infantil e coxas à mostra. Meus filhos me repudiaram envergonhados, meu marido ficou triste até a morte, eu fiquei doida no encalço.

.The road to...

As coisas que não conseguem ser olvidadas continuam acontecendo.

.Não existe amor minúsculo.

E quanto ao amor? Ah, o amor…
não basta termos alguém com quem podemos conversar,
dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando.
Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo.
Queremos estar visceralmente apaixonados,
queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados,
queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo,
queremos sexo selvagem e diário,
queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É o que dá ver tanta televisão.

.Eu passarinho!


Minha vida não foi um romance…
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro …
De surpresa … de encanto … de medo …
Minha vida não foi um romance …
Minha vida passou por passar.
Se não me amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance …
Pobre vida … passou sem enredo …
Glória a ti que me enches de vida
De surpresa … de encanto …de medo …
Minha vida não foi um romance …
Ai de mim … Já se ia acabar !
Pobre vida que toda depende
De um sorriso … de um gesto … um olhar …

.Dorme que a noite já vem.

Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isso não tem importância. O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.

.Olhando a chuva que, aos poucos começa a passar.

Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele(...)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

.Mas onde reside o perigo?.



Era flexível como o couro, sólida como o aço, fria como a noite.

.Hesitei, mas fiquei.

Mas daquelas velhas coisas, sobre as quais a poeira punha mais antiguidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz. Aquela pureza da louça, a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele seu fosco brilho de luar, diziam-me a mim que aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança, a sonhar, para encanto dos olhos fatigados dos velhos desiludidos...