O fato é que
nunca se sentira tão mal como agora. Reclamava de dor pelo corpo todo, vieram
pessoas de fora para conferir, tias ligando, amigos mandando mensagens. Alfred
não gostava, sabia dos hábitos reclusos da senhora, mas, na atual conjuntura,
suportava as visitas. A senhora mandou padronizar uma mensagem no telefone, um
bip que dizia mentiras sobre seu real estado, falava, entre outra coisas, que
ela estava bem e que logo voltaria a sua rotina. Eu sabia, eu Alfred, eu amigo,
eu sempre ali, que era mentira das bravas, que a senhora estava com o olhar sem
brilho e distante. Tratei de fazer seu prato preferido e me coloquei ao seu
dispor para o que sempre a agradou: me ver ali por perto devoto de toda
atenção, no fundo meu diagnóstico era carência. Ela fingia que não, me mandava
sair do quarto algumas vezes e quase sempre brigava comigo, mas amava os
dengos, a presença e me contava histórias. Eu ria de todas, não por interesse
em satisfazê-la, mas por serem engraçadas, e quando eu ria, eu Alfred, eu mordomo,
eu presente, a senhora também sorria escondendo o sorriso no canto da boca. Ela
era ela naquele momento e eu sentia felicidade por ela existir. Sempre penso,
eu Alfred, eu nada, eu disciplina, que ela também sentia-se feliz por me ver,
sabia disso porque um dia só de ouvir minha voz ela se acalmou. Tenho
curiosidade em saber o que pensas e quem amas, talvez isso faça com que eu
permaneça (embora não descubra quase nada, sigo feliz, eu Alfred, eu cansado,
eu submisso), agradecendo os delírios dela e a mente dela, quando, em mais uma
noite, ela trança suas linhas tortas e me dá vida. Sigo, eu Alfred, eu feliz,
eu ajudante, esperando o retorno firme daquela que me criou.
LG