sábado, 30 de abril de 2011

.Com os cabelos, que ela solta.

Razão por que fiz? Sei ou não sei. Coisa de ardências, eu pensava claro, acho que depois não pensei não. Eu queria o ferver. Quase mesmo aquilo me engrossava, desarrazoado, feito o vicio dum ruim prazer. Eu fazia minha raiva e minha vontade. Coisa boa era, isto é: só uma espécie de despique a dentro, o vexame que me inçava me dava rumo para continuação. Único reger era me empinar e assoprar em esta minha cabeça, aí a confusão e desordem e altos desesperos. Arremessei o cavalo, galopei demais.

Guimarães



.A vida de extremos é um eterno solavanco.



sexta-feira, 29 de abril de 2011

.Me iludo e desiludo com uma facilidade incrível.



Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios-tons de uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos.

PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. SP: Brasiliense, 1989. (p.190)


.Feche bem os olhos e tente dormir.


De manhãzinha na sacada com uma xícara de café os cabelos em desalinhos, tão carente...

.A verdade não tem testemunha.


quinta-feira, 28 de abril de 2011

.Eu havia gostado tanto daquele e tanto dela que peguei os dois pra mim.

O fato é que ela possuía uma graça especial, talvez o modo como se debruçava à janela, ou mesmo o jeito oblíquo de sorrir apertando os lábios, como se temesse revelar no sorriso todo o seu mundo interior. Ela é estranha. Tem olhos hipnóticos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor.

"Aprendi que minhas delicadezas nem sempre são suficientes para despertar a suavidade alheia, e mesmo assim insisto."



quarta-feira, 27 de abril de 2011

.Eu não a conhecia. Eu nunca a tinha visto em toda a minha vida. Mas uma vez desperta não voltei a dormir.

Subi correndo no primeiro bonde, sem esperar que parasse, sem saber para onde ia. Meu caminho, pensei confuso, meu caminho não cabe nos trilhos de um bonde. Pedi passagem, sentei, estiquei as pernas. Porque ninguém esquece uma mulher como Isadora.

Até breve.

.Que mais podes dar, que mais tens a dar?

Joguei as peças, uma por uma, sobre o assoalho sujo. Deitei de costas. Fechei os olhos. Ardiam , como se tivesse acordado de manhã muito cedo. Então um corpo caiu sobre o meu e uma boca molhada, uma boca funda feito poço, uma língua ágil lambeu meu pescoço, entrou no meu ouvido, enfiou-se pela minha boca, enquanto dedos hábeis desciam.

ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. RJ: Agir, 2005. (p.92)